A década de 60 ainda usava fraldas quando ele desembarcou do trem na estação de Pouso Alegre, vindo do 8º BPM de Lavras recém-formado policial. Trazia grudado na pele desde os dois anos de idade o apelido que vai levar para a posteridade: “Baiano”. Apesar de trazer do berço – dos pais adotivos – os predicados que fizeram dele uma pessoa tão estimada e respeitada, talvez tenhamos que acrescentar um adjetivo para diferenciá-lo dentre cidadãos com apelido tão comum: “Baiano do Fórum”.
Pouso Alegre contava menos de 40 mil habitantes, mas já era menina dos olhos de muita gente ambiciosa empreendedora e mostrava desde então sua vocação para “princesa” do Sul de Minas. – breve será rainha! – Era preciso coragem, inteligência, generosidade e muito tato para circular de cabeça erguida entre as autoridades nas terras do Mandu. Aureliano Jacinto da Silva, o “nosso Baiano” possuía tais requisitos. Soube como poucos se fazer respeitar embora fosse apenas um ‘agente da autoridade’!
Baiano é do tempo em que os pais quando queriam assustar as crianças ameaçavam:
– Para de fazer birra menino… Olha o policial olhando, ó!
– Se você me desobedecer eu vou contar tudo para o policial!
E quando o menino arteiro via aquela figura imensa, esbelta, negra do Baiano dentro do uniforme, debaixo do quepe de soldado, tentava se esconder atrás das pernas do pai… E nunca mais fazia arte. Mesmo que o Baiano sequer tivesse notado sua presença! Aureliano Jacinto Baiano é daquele tempo em o policial era respeitado e se fazia respeitar pelo seu comportamento impecável na sociedade. Se Pouso Alegre dos anos 60 já despertava interesse e cobiça nos cidadãos, especialmente daqueles que detinham o poder, isso muito mais se acentuou com o Golpe de 64 e a consequente Ditadura Militar. Detentora do poder máximo na terra, quero dizer, no Brasil, ai do policial militar que por ventura se esquecesse de bater continência para qualquer farda verde oliva que passasse na sua frente. Se uma viatura do Exercito passasse na rua, todo militar da PM tinha que parar o que estivesse fazendo, virar para a rua e fazer ‘posição de sentido’. Se estivesse conduzindo um bandido, até o meliante tinha que bater continência… Se não quisesse tomar um cascudo! A maior área de atuação da policia naquela época era a famosa Zona Boemia. Era dali que vinha a maioria dos B.Os. E por consequência a maior área de conflito entre a Policia Militar e o Exercito que controlava com mãos de ferro os direitos humanos – ou seriam os deveres humanos? – dos seus recrutas. Os atritos eram frequentes. Militar do exercito, ainda que recrutas recém incorporados, mesmo em flagrante infração às leis vigentes, não podiam ser presos pela PM! Ou seriam presos pela Oficial de Dia. Os imbróglios não raro iam parar no gabinete do Poder Judiciário.
O soldado negro, alto, forte, de olhar bondoso, com sua voz grave, argumentos maleáveis e postura firme e justa, embora não detivesse patente elevada, o soldado Baiano soube desfilar muito bem neste ambiente eivado de vaidades e viver em paz com todas as Forças. Não recebeu o titulo oficialmente, mas bem que poderia ser chamado de “conciliador”! O livro que conta a trajetória da Policia Militar em Pouso Alegre dedica a Baiano três paginas entre os coronéis que fizeram sua historia até os dias atuais.
Numa era de grandes transformações sociais, Baiano viveu e tem muitas historias interessantes para contar. Assim foi Baiano do Fórum. Assim é Baiano do Fórum! Na verdade o adjetivo “do Fórum” ele ganhou mais tarde. Depois de 18 anos de serviços prestados à sociedade ele tirou a farda bege e foi trabalhar no Fórum. Passou no concurso para Oficial de Justiça em 1977! Em 1996, depois de 36 anos como servidor exemplar do Estado, tendo formado em Direito em 1981, inscreveu-se na OAB e foi advogar… Continuou sendo o “Baiano do Fórum”!
Se Aureliano Jacinto tivesse escrito um livro com o titulo “Meninos que vi crescer”, certamente eu seria um dos seus personagens! “Baiano do Fórum” me viu crescer… Talvez ele não saiba, talvez nem eu tenha percebido, mas ele foi espelho para muitos jovens na vida publica. Inclusive para mim! Tenho muito orgulho de gozar da amizade do Baiano do Fórum!
Não por acaso Aureliano Jacinto Baiano do Fórum respondeu com simplicidade e sabedoria as duas perguntas de epitáfio!
– Maior alegria, Baiano?
– Paz.
– Maior tristeza?
– A incompreensão dos homens!
Vida longa com saúde e paz, meu amigo Baiano…!
* Meu amigo Baiano de 76 anos está convalescendo de uma crise diabética que o levou repentinamente para a UTI na semana passada. Mas graças a Deus já está esbanjando simpatia e bom humor!