Edson Deoterio, Alexandre Maciel e a “saidinha temporária”…

Mas eles estavam estritamente dentro da lei, como tantos outros presidiários que saem da cadeia pela porta da frente no meio do cumprimento da pena, para visitar os parentes e tomam outro rumo. Edson estava amparado pelo artigo 122 da Lei de Execução Penal, cujo inciso I diz que os condenados que cumprem pena em Regime Semiaberto podem sair da prisão para visitar a família. O artigo 123 da mesma lei exige que o preso tenha cumprido um sexto da pena, se for primário ou um quarto da pena se for reincidente, desde que ele tenha um comportamento social adequado. A “Saidinha Temporaria poderá durar até 7 dias e pode ser repetida até quatro vezes no ano. É por isso que comumente, por ocasião do dia das mães, dia dos pais, dia das crianças ou Natal, esbarramos em “presos” soltos pela rua.

Edson Deoterio: De São Paulo à Porto Seguro à pé, em 7 dias...!

Edson Deoterio: De São Paulo à Porto Seguro à pé, em 7 dias…!

E o que faz o preso durante estas “saidinhas”?

Bem, de acordo com a mesma lei 7210 de 11 de julho de 84, deve visitar a família, tirar o atraso com a ‘patroa’, fazer cafunés nos filhos, contar a eles que fora seduzidos por um bicho cabeludo, dentuço de um olho só e fez feiúra, por isso está morando no grande Hotel do Juquinha, ir com eles à missa, ao parque de diversões, fazer estilingue para as crianças, assistir o clássico entre os times do “Varre Guanxuma x Ranca Toco” no campinho do bairro, visitar o vovô que está com Alzheimer e na segunda feira de manhã pegar a mochilinha, derramar ao menos uma lagrima, prometer pra Maria que nunca mais vai fazer besteira e voltar para o velho hotel do contribuinte!

Alguns realmente fazem – quase – isso e voltam a pé, cabisbaixos, levando saudade da liberdade para o Hotel do Juquinha!

Os outros também voltam… Mas voltam imponentes, no taxi do contribuinte, levando nos braços as famosas pulseiras de prata e uma certeza…! Vão continuar na ‘caminhada’ do crime por muito tempo, até não ter nenhuma utilidade para a sociedade! E fazem isso de livre e espontânea escolha… Porque preferem a companhia dos irmãos de caminhada!!!

A crônica policial está recheada destas historias.

Outro dia um destes beneficiados pela Saidinha, deixou o velho Hotel da Silvestre Ferraz na véspera do dia das mães para visita-la em Tres Corações. Não tinha dinheiro nem para ir até a Serrinha de Bela Vista. Voltou quinze dias depois para o velho hotel, deixando para trás um rastro de destruição… Ele havia arrombado – com pedras – sete lojas no centro da cidade em busca de alguma coisa para trocar por crack!

Há três meses Nado foi preso no bairro Curralinho junto com o Junior e um ‘dimenor’ em uma charrete, com um 32 que jogaram numa lagoa! Ele estava de saidinha da Apac…

Ano passado dois sujeitos assaltaram um companheiro de copo no final da madrugada, na Adalberto Ferraz. Às dez da manha a policia militar prendeu um deles na Apac. Logo depois do assalto ele correu pra lá… O álibi não colou!

O caso mais inútil de “saidinha” da cadeia – previsto na Lei de Execução Penal – que me lembro, acho que aconteceu em Santa Rita do Sapucaí em 2007. Alexandre Maciel era um preso pé-de-couve, dependente de drogas e dependente de furtos para sustentar o vicio. Era do tipo chorão, que vivia pedindo isso e aquilo para todo mundo. Especialmente o tal beneficio da saidinha temporária. Nem os próprios companheiros de caminhada suportavam sua choradeira. No inicio de maio daquele ano ele se enquadrou na famosa lei e saiu para passar o Dia das Mães em casa. Só havia um problema! Seu padrasto não queria vê-lo nem pintado de ouro. Sua mãe, há muito havia desistido dele e preferiu a companhia do amasio! Sem dinheiro para pagar uma condução, ele poderia, mesmo mancando – tinha um problema físico, resultado de um tiro na perna – dobrar a serra do Horto e descer em Bela Vista, desde que tivesse algo para fazer lá… Não tinha. A. Maciel passou os 7 dias da “Saidinha do Dia das Mães” perambulando de um muquifo a outro, comendo um pão duro aqui, outro ali, fumando uma bituca de um ‘irmão’ e outro, dormindo sob marquises…

Numa manhã fria de meio de maio, quando eu, o Benicio e Clebinho saímos para uma mini ‘operação café da manhã’ na rua do Queima – talvez numa das infindáveis recaptura do Fidelio! – Ele estava dormindo na cobertura do ponto de Ônibus da Rua Padre Vitor. Era o ultimo dia da ‘saidinha’! Demos a ele uma carona para o Hotel Recanto das Margaridas. Poupamos-lhe a caminhada de 4 quilômetros arrastando a perna ferida! É assim que a maioria dos condenados se “ressocializam”…!

Edson Deoterio, 32 anos, deixou sua família em Porto Seguro, na Bahia e saiu pelo mundo em busca de  aventuras. Foi preso em São Paulo há três anos com drogas. Foi condenado há 5 anos e 10 meses. Semana passada, depois de 3 anos e 10 meses vendo o sol nascer quadrado, o juiz da execução lhe concedeu o beneficio da Saidinha Temporária para passar o “Dia das Crianças” com a família… Em Porto Seguro.

– Logo que saí da cadeia a primeira coisa que fiz foi rasgar meu ‘salvo-conduto’! Aí peguei a estrada, a pé, de carona, passei por Campinas e fui chegando… Até que os ‘zomi’ me abordaram aqui em Pouso Alegre – contou-me ele sorrindo divertido na porta do ‘corró’ na ultima quarta, 16..

– Mas porque rasgou seu salvo-conduto…?

– Ele tinha meu nome… Eu não ia voltar pra lá depois de 7 dias!

A historinha de Edson, embora curta e repetitiva, ainda teve um fato hilário…

Mas se você não tinha identidade e portando não sabiam que você era fugitivo de São Paulo, porque foi preso? – perguntei.

– Eu decorei os dados de um amigo que eu tinha na Bahia… O nome dele é Marcelo Araujo da Silva! Eu falei que me chamava Marcelo. Quando os ‘zomi’ puxaram a capivara dele falaram: “Moiô” amigão, você é procurado por diversos crimes na Bahia…! Ele tá mais sujo que pau de galinheiro… Meu amigo está muito mais ferrado do que eu, cheio de broncas… Faz um tempão que não vejo ele…!

… E o presidiário que saiu da cadeia de São Paulo para passar o Dia das Crianças na Bahia, a pé, na ‘dedanha’, voltou para o presidio em São Paulo!

 

Sugestão: Você meu estimado leitor que acabou de ler este relato e acha que a culpa de todo bandido estar solto é da policia, sugiro que leia a “Lei de Execução Penal”! Basta abrir uma nova aba aí na sua tela e digitar Lei 7.210/84. Você vai conhecer uma ótima lei para o cidadão de bem… E uma lei ainda melhor para o cidadão do mal! E lembre-se: A policia não faz leis. Quem faz leis é aquele pessoal bacana que de 4 em 4 anos, bate na porta da sua casa, abre um ‘sorriso Colgate’ e oferece “qualquer coisa que você estiver precisando”… em troca do seu voto!

3 thoughts on “Edson Deoterio, Alexandre Maciel e a “saidinha temporária”…

  1. excelente comentário ” Lei 7210/84…Você vai conhecer uma ótima lei para o cidadão de bem… E uma lei ainda melhor para o cidadão do mal!”
    .
    o pior é quando essas histórias de saidinha vêm acompanhadas de novos homicídios, latrocínios, roubos, estupros….ou seja, quando o cidadão de bem tem sua vida destruída para que um bandido goze seu direito legal de sair temporariamente para se “re-inserir” na sociedade…….

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