Depois de uma rapida conversa com meu amigo Zeca Juru ha duas semanas, minutos antes da posse dos novos chefes da policia civil de Pouso Alegre, fui visitá-lo em seu pequenino sitio ao pé da serra do Cajuru. Cheguei no final da tarde quando o sol ja se deitava e fui recebido por dona Filomena.
– `Tarde seu Chips… o sinhor num morre tão cedo. Gorinha memo quando fui levá a cabaça d’agua pro Zeca na roça ele priguntô docê. Inté parece qui eli sabia qui o sinhor ia chegá…
– Pois é, Filó… Fui tirar umas fotos do velho casarão do Coisa Ruim da Borda e resolvi passar para rever meu velho amigo… Ele ainda está na labuta?
– … Cruiz credo seu Chips, Coisa ruim da Borda… – Benzeu-se Filomena visivelmente arrepiada – O Zeca tá capinano mio la perto do riberão…
A conversa com Filó certamente seria interessante mas ela estava ocupada com os afazeres de casa. Percebi que ela havia acabado de colocar o escorredor de arroz na janela, ia começar a preparar a janta. Achei melhor ir ao encontro do Zeca Juru no milharal. Passei pela cerca de arame farpado, fui descendo ao longo do capãozinho de Napier espantando pintassilgos, anús-brancos e canarinhos e saí num pequeno pastinho descampado onde uma vaquinha Jersey amamentava um tenro bezerro malhado. De repente de traz de uma moita de assapeixe surgiu meu bom amigo Zeca Juru. Descalço, bocas da calça amarrada com embira para evitar a poeira, camisa listrada com a fralda para dentro, chapeuzinho amassado na cabeça, enxadinha bem gasta no ombro, a cabaça dágua na mão e um brilho quase magico nos olhos. Estava feliz … e ficou ainda mais ao me ver…
– Purque que num veio antis mi ajudá tirá a tarefa…? – Foi logo dizendo.
– Eu ja perdi o jeito, Zeca, acabaria cortando seus pés de milho, ia te dar prejuizo…
– Qui bão ti vê por estas bandas, seu Chips… mas vamos vortá pra casa e tomá uma cuié de café inquanto a Filó fais a janta.
Voltamos caminhando lentamente pelo mesmo pastinho. Zeca falava da seca, da chuva, de vez em quando parava, gesticulava, apontava para uma arvore, uma colina, um bando de garças que passava no ceu em direção ao pouso, para o ribeirão que não viamos mas sabiamos que deslizava sereno e piscoso a poucos metros dali, até que atravessamos a cerca de arame e entramos no terreio de chão batido em volta da casinha branca. Pendurou a enxada na parede do paiolzinho de madeira, pegou um jacazinho cheio de espigas de milho, sentamos ali mesmo, ele num degrau da escadinha do paiol e eu num toco de amoreira ali do lado. Antes de entrar em casa para se lavar era preciso alimentar os bichos.
– Os porco eu ja tratei…- disde Filó aparecendo na porta da cozinha – As galinhas ele fais questão di tratá… – Acrescentou. De fato, aquele era um ritual que completava o dia do matuto Zeca.
– Se eu num sentá num toco quarqué do terreiro ou janela pra ve o fim do dia e tratá dos bicho, parece que o dia num ixistiu… – Emendou Zeca, descascando uma espiga de milho.
Enquanto ele ‘tirava a roupa do milho’ eu debulhava e jogava para as galinhas que logo se juntaram barulhentas à nossa volta. Não demorou a vaquinha Jersey encostou na cerca pedindo a palha e logo atrás veio o cavalinho tordilho relinchando no rastro do cheiro do milho, ou simplesmente pelo habito de se aproximar do dono àquela hora do dia.
– Mais me conta seu Chips, qualé as novidades da praça…?
– Ah, Zeca, voce que esteve recentemente em Brasilia, deve ter mais novidade do que eu…
– Nem ti falo seu Chips… As pessoas honestas de Brasia tão andando de cabeça baxa de vergonha dos colegas ratão… O urtimo a envergonhá a crasse politica foi o ministro do trabaio… Que cara lavada!!! Cumé que a Dirma inda tem corage de dexá aquela figura cinica, ridicula la no ministerio trapaiano o governo dela?
– Voce acha que ela está fazendo um bom trabalho Zeca Juru?
– Ahhh, num sei… tem hora que parece que ela vai sê muito boa, tem hora que parece que vai sê iguar o Lula memo…
– Mas o Lula fez uma grande administração. Deixou o governo com um indice recorde de aprovação popular…
– Num se deixe enganar seu Chips. Quem aprovou o governo do metalurgico 4 dedos é gente que num lê jornar, num lê revista, num assiste telejornar… O Brasir miorou muito nus urtimos anos, sim seu Chips, mas num foi graças aos governantes, não… foi apesar deles…
– Como assim…?
– A matematica é muito simpres… se ocê ará uma terra preta discansada, fazê uma cerca e prantá uma roça de mio, tirá as erva daninha de veis em quando, o miarar vai cresce forte, viçoso e além de dar pamonha e curar dispois de 120 dias, vai inchê o paior dispois de seis meis… Só precisa dumas tres chuva mansa, cercá a prantação pro gado num cumê, capiná pras ervas daninhas num abafá e cuidar pros rato num roê… A roça cresce sozinha, seu Chips. O Brasir é assim tamém. É terra boa, rica por natureza. Tudo que prantá dá. Todo mundo qué prantá aqui. Tudo que os governante tem que fazê é prantá e cuidar pros bocudos num cumê e colocá ratoera no paió. Ocê num acha???
Antes que eu desse a resposta obvia, Filó apareceu na janela da cozinha…
– Zeca, seu Chips, vem sentá no arpende que eu cabando de fritá uns torremo… Ja tá escuro aí no terrero…
A prosa estava tão gostosa que nem percebemos que estava escurendo. As galinhas ja estavam empoleiradas na laranjeira e o bezerro malhado da vaquinha Jersey havia sido apartado por Filó e cochilava no curral atraz do paiol. Zeca Juru lavou apenas os pés, as mãos e o rosto e fomos sentar na varanda.
Esta conversa com o matuto Zeca Juru continua na proxima 4ª feira