As emoções se afloram…
O velório de um policial morto em serviço provoca um turbilhão de sentimentos… E pensamentos!
Não sei como Freud explicaria isso. Os comentários são os mais diversos. Nessa hora todo mundo conhece os sonhos e planos do morto. Seja ele quem for, ali frio, estendido silencioso no caixão, torna-se santo… herói…
Há momentos em que o policial, ali ao lado, se imagina dentro do caixão! Se deseja dentro do caixão! Imagina-se numa grande operação, morrendo baleado! as pessoas chorando à sua volta, exaltando suas qualidades!
Se o policial se aproxima do caixão do companheiro morto, todos estão olhando pra ele, falando dele, e comentando baixinho…
Nos dias seguintes todos continuam olhando para ele quando ele passa…
Muito cedo na carreira vi o primeiro colega tombar em serviço. Coincidentemente era meu vizinho… morava defronte minha casa. Voltávamos para casa toda tarde, a pé, falando dos nossos sonhos!
Naquela poça de lama na esquina da ruela, atrás da cerca de taquara seca, na ‘baixada do Mandu’, morreram os sonhos do jovem policial Marcos “Cabeçada”… E começaram os pesadelos de jovens policiais como eu.
À noite era difícil pegar no sono. Mas muito fácil despertar dele!
Uma lufada de vento na janela… era o assassino do companheiro que estava chegando! Os passos das pessoas na rua… acabavam sempre debaixo de minha janela!
Minutos, as vezes horas de tensão, com a respiração presa, esperando ouvir o próximo ruído; esperando ouvir o trinco da porta; esperando um vulto entrar pelo quarto… a mão suada segurando o velho revólver HO enferrujado embaixo do travesseiro!
As batidas do coração se misturavam com os ruídos dos passos do transeunte! Ele já estava, certamente, no quarteirão de cima, mas o assassino ficava na minha mente, atrás da porta, no corredor, me procurando no escuro… e nunca entrava no quarto!…
Faltava coragem para levantar e procurar o assassino!
Andar na rua, ainda que com o sol a pino, não era mais fácil. A cada esquina poderia deparar com os assassinos com um pedaço de pau ou um trabuco na mão!
Todo carro com vidro fumê – não eram muitos na época – levava os dois irmãos assassinos…
Diligências no velho Aterrado era um perigo. Só descíamos à ‘baixada’, de carro cheio… E éramos um perigo!
Olhos atentos, agitados, mãos suadas seguravam os revólveres abaixo das janelas… engatilhados! Qualquer movimento na rua, uma janela ou porta que se abrisse bruscamente, mandaríamos bala!
Quando morre um policial em serviço…
Morre-se um pouco da paz, da brandura, da sensibilidade dos policiais que ficam… Nunca mais eles serão os mesmos. Nunca mais eles verão um bandido como um ser humano normal…
Demora-se dias, semanas, meses para controlar o medo e aquietar o desejo de vingança.
Quando morre um policial em serviço… Morre-se um pouco de cada policial!