JEFF… O HOMEM DO CHAPÉU FURADO

DUELO FINAL

Os raios dourados raios do sol da manhã penetravam timidamente por entre as grades da “gaiola da justiça”. Os ‘pássaros’ estavam tensos ante a iminente viagem que os levaria escoltados pelos federais para um ‘viveiro’ do Estado.

– Você vai levá-los para o forte ou vai direto para a penitenciária? – Quis saber Morrison.

– Vou levá-los até o forte. É mais e perto e, portanto, mais seguro. De lá outro pelotão os levará para a penitenciária.

– Não quer se arriscar, hein!

– Ora, você não sabe com quem está falando meu velho – interferiu Jef. Não é debaixo de uma saia que um jovem de trinta anos chega ao posto de Tenente do Exército americano.

– Não entendi.

– Se Peter é tenente é porque tem qualificações e culhões para ostentar a divisa.

– Não tenho dúvidas…

– Bem, chega de conversa. Temos muita poeira pela frente. Seu Whisky é ótimo xerife, suas cartas me divertem Jeff, mas eu nunca ganharei de você no pôquer. Adeus Morrison, adeus Jeff.

– ‘Adiós’.

Peter Lane e seus soldados partiram a trote levando onze ‘clientes’ de Morrison para um ‘hotel’ à prova de fugas. A missão de Jeff Hobson estava quase no fim.

 

Perto dali…

A fúria de Brad e George já não comportava mais palavras. Eles não conseguiram mais se expressar com um mínimo de civilidade. Apenas o ódio os movia.

– Não devíamos ter confiado nos outros – disse Brad.

– Antes trabalhávamos sozinhos e éramos invencíveis e agora com dezenas de homens veja o que nos resta…

– Este resto servirá para recomeçarmos, depois que nos livrarmos daqueles malditos!

– É melhor que nós mesmos façamos o serviço.

– Mais tarde iremos pra cidade para o acerto final. Hoje será o último dia que Morrison e Jeff verão o pôr do sol. – Vaticinou George sombrio.

O sol dolente se deitando suavemente naquela tarde deu uma cor vermelha ao horizonte. Parecia sangue. A leve brisa que soprava sobre Carson City parecia trazer um cheiro de morte.  Apesar de estar lotado, o burburinho no saloon era ameno. Os frequentadores, embora tivessem motivos para comemorar o fim da quadrilha que durante anos espalhou o terror no lugar, estavam comedidos. Muitos ainda estavam intrigados com o surgimento repentino da Cavalaria na noite anterior. Mas sabiam que a guerra contra o mal ainda não havia acabado. Sabiam que a última batalha, o duelo final, seria inevitável. As ruas estavam desertas.

– Vou ao saloon tomar um trago – falou o xerife saindo da delegacia.

– Logo que acabar de limpar meus colts eu lhe farei companhia – respondeu Jeff.

Minutos depois, a caminho do saloon, o delegado ouviu o som de disparos. Em seguida ouviu uma voz de chorosa de mulher.

– Socorro! Eles querem me matar! Mataram meu pai. Socorro!…

Jeff voltou-se repentinamente a tempo de ver Doris com os braços abertos correndo em sua direção, gritando desesperadamente enquanto uma chuva de balas fazia levantar poeira a seus pés.

– Doris!

Um projétil ricocheteado no pedregulho atingiu-lhe as costas, tirando instantaneamente suas forças. A jovem deixou-se cair no meio da rua empoeirada ante o olhar incrédulo das pessoas que haviam saído às varandas e janelas para ver o que se passava. Jeff correu em direção ao corpo agonizante tomando-o nos braços. A jovem soltou um gemido e acenou para que a deixasse no chão.

– Jeff… meu irmão… eu… – Não conseguiu terminar a frase. Suas últimas forças se esvaíram.

Ajoelhado na poeira, Jef contemplou aquele rosto, que mesmo sem vida era lindo. Seus traços lhe eram familiares. Lembrou do pai. Doris acabara de morrer com um tiro nas costas, como ele. Seria o destino? Será que ele também iria morrer com um tiro nas costas? Duas lágrimas rolaram pela face crispada do jovem delegado! Calejado capitão dos Guardas Rurais do Colorado, ajudante de xerife de Carson City… Aquele homem rude e de poucas palavras, que em segundos sacava seu colt e matava três ou quatro homens com a mesma facilidade que mataria pernilongos que o picassem, tinha seus momentos de emoção. E sabia até chorar! Ainda contemplando aquele corpo que muito tarde ele descobriu ser parte dele, Jef notou o sangue coalhado que segundos antes havia jorrado das costas de sua irmã. A lembrança do pai lhe povoou a mente. Provocou uma visão semelhante. Viu o velho xerife Rock Hobson sendo baleado covardemente pelas costas.

Uma risada zombeteira interrompeu suas divagações.

– Olá ‘forasteiro’ – disse sarcasticamente o mexicano Sancho Perez. Então andava de amores secretos com a filha do banqueiro, hein!

Jeff lentamente se pôs de pé, mudo, com o olhar mais frio que o de uma cascavel. Cinquenta passos a sua frente estavam George Sanders, Brad MacGree e o filho Richard, Sancho Perez, Ted Slim e mais um capanga que ele não sabia o nome. Os seis pistoleiros à sua frente não diminuíram nem pouco sua coragem. Ele falou pausadamente.

– Doris era minha irmã… filha do falecido xerife Rock Hobson… Que vocês mataram covardemente pelas costas. Eu vim a Carson City fazer justiça a meu pai. Qual de vocês atirou nele?

Essa revelação causou surpresa e impacto às pessoas ali presentes. E teria abalado muito mais os seis criminosos, se eles não estivessem agrupados, armados até os dentes.

– Então você é filho daquele bastardo hein! – Falou Brad, procurando se recompor da surpresa. É bom saber disso. Pelo que ele fez a meus homens, ele merecia morrer várias vezes… como você vai morrer. É bom fazer seu último pedido Jeff… Hobson.

– Quem atirou em meu pai? – Insistiu calmamente o delegado.

A resposta foi um misto de cinismo, sarcasmo e deboche.

– Bem… – falou Richard saboreando cada palavra. Papai e George arquitetaram o plano; Sancho e Ted comandaram a arruaça no saloon… eu fiz o mais importante!

– Canalhas! Nem satanás os receberá no inferno! – Disse Morrison ao ouvir a revelação, pondo-se ao lado de Jeff.

– Não, xerife… Esse é um assunto de família. Eu devo isso a meu pai e minha irmã. – falou Jeff, sem desviar os olhos dos facínoras.

O velho xerife, até porque confiava em seu assistente, afastou lenta e atentamente deixando-o frente a frente com seis colts marcados com sangue. A própria natureza não compactuava com o que estava para acontecer. Talvez por isso, o sol se escondeu no final da planície para não assistir a cena. O ar pesado começou a se movimentar formando uma brisa tímida, leve e fria, como se estivesse com medo da morte, fazendo levantar a poeira amarela da rua. Os sete homens estavam tensos, revolveres livres nos coldres, dedos suados, cada um tentando penetrar na mente do outro. O tempo acusou que o instante fatídico chegara. Sete culatras de colts entraram em contacto com mãos quentes de seus donos. De repente choveram projéteis por todos os lados. Tudo não durou mais do que alguns segundos. Por entre a leve cortina de fumaça que saia do seu colt, Jeff viu um dos pistoleiros estendido de costas na rua. Outros quatro ainda estavam de joelhos, como se estivessem fazendo uma última oração, e logo em seguida caíram de boca na poeira. Cada um deles tinha uma bala no lado esquerdo do peito. Richard MacGree ainda se mantinha de pé, apesar do projétil cravado em suas costelas. Com o olhar desfigurado pela dor ele tentou focalizar o jovem Hobson através da mira da sua arma. Jeff, percebendo que o revolver do moribundo seria acionado, com ódio e frieza, tão rápido quanto sacara o primeiro colt, sacou o segundo e roçou o cão seis vezes seguidas endereçando a rajada num só alvo. Com um gemido rouco e seis orifícios exalando sangue do peito, e o impacto dos projetis, o assassino de seu pai e de sua irmã, tombou de costas no meio da rua, como se tomba uma arvore ante a machadada final. Quando tocou o chão poeirento, sua alma já estava no inferno!

– Seis tiros, seis cadáveres! – Observou Morrison, se aproximando. Ele já estava morto quando recebeu a segunda descarga – concluiu.

Jeff, mudo, recuou alguns passos e apanhou o chapéu no chão… ou o que restava dele, e passou a contar lentamente:

– Um, dois, três, cinco, seis, oito… – disse ele, com o dedo em mais um furo no chapéu de couro.

                                                                    Epilogo

 

O sol claro e morno parecia sorrir sobre Carson City. As pessoas também sorridentes caminhavam como formigas pelas ruas naquela manhã. A paz e a calmaria pairavam sobre a cidade como nos tempos de Rock Hobson. Jeff Hobson, de chapéu novo, dado de presente pelo doutor Stam, conferia o arreamento do seu corcel antes de montar.

– Daqui a alguns anos, quando esta cidade tiver um museu, garanto que a peça principal será seu chapéu, rapaz. – Falou Morrison segurando o chapéu furado.

– Hum, pode ser… Bem, minhas férias acabaram. Depois de amanhã tenho que estar no quartel dos guardas rurais no Colorado. Adeus Morrison. Você também merece destaque num museu. Foi bom trabalhar com você – falou por fim o capitão Hobson.

– Adeus Capitão……

Jef Hobson passou levemente a roseta da espora na virilha do seu cavalo e saiu a trote lento de Carson City. Morrison e algumas pessoas o seguiram com o olhar até que ele ficou pequenino e desapareceu no final da planície.

 

FIM

 

      Essa história foi escrita nas três primeiras semanas de junho de 1977, durante meus turnos de guarda nas guaritas do 14º GAC. Esse livro foi meu primeiro trabalho literário… aos 18 anos.

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