Eram cinco ou seis vendedores vendendo e comprando entre eles para fisgar os matutos…!
Contar historias de Pouso Alegre é fácil… O difícil é escolher apenas uma história para contar! São Tantas.
Tem histórias da infância, histórias vividas, historias antigas, histórias que eu investiguei, histórias policiais…!
Essa é uma de meia idade, dos anos 1970… Uma historia pouco conhecida. É a historia dos “Vendedores de cortes de fazenda”!
No inicio da década de 70, o lugar mais perto que se achava roupas feitas para comprar, era na famosa Rua Maria Marcolina, no Braz, ou na Rua 13 de Maio, em São Paulo. Em Pouso Alegre, quem precisasse de roupa, tinha que comprar a ‘fazenda’ e levar às costureiras para fazer. Alfaiate só tinha o Keide, na Dr. Lisboa; o Gouveia, na Dom Nery; o Mario, na Com. Jose Garcia, e mais uns dois ou três que só faziam ternos e ainda assim, por encomenda!
Casas para comprar o tecido, a ‘fazenda’, não faltavam…
Tinha a Casa Senador, a Casas Pernambucanas, Casa Mendes, a ‘Cotonfil’ e tantas outras.
E tinha também os vendedores ambulantes de fazenda!
Eles faziam ponto na calçada da Praça Senador José Bento, naquele trechinho, entre a esquina da Afonso Pena e a Casa Morato.
Na época o Edifício Teixeira – construido no lugar onde fora o casarão do Senador Eduardo Amaral-, ainda estava na base. O terreno era cercado por um alto muro de tábuas.
Naquele trecho de calçada havia comerciantes de todo tipo…
Tinha o ‘Dito Seleiro’, cujos filhos vendiam selas, arreios, chibatas de couro, bainha de facões, etc.
Tinha vendedor de picolé ‘Milk Money’, com carrinho ambulante;
Tinha vendedor de panos de prato…
Eu era o vendedor de Raspadinha…! Aliás, fui o único garoto na história de Pouso Alegre a vender Raspadinha! E não é essa que vocês estão pensando, não…
Ficava quase na esquina da Afonso Pena, ao lado dos filhos do sorumbático Dito Seleiro, de olhos vermelhos!
No mesmo trecho, andando pra lá e pra cá, de acordo com a conveniência, ficavam os vendedores de fazenda…!
Tinha o Ze Maria, o Ze Gato, o Ze Bonitinho, o Josias, o Osvaldo, o Alicam…
Eu só soube o nome deles décadas depois nos clubes de carteados nas imediações do Mercado Municipal.
Eram uns seis ou sete ladinos, todos mancomunados entre si para ‘tomar’ o dinheiro dos capiaus que por ali passavam.
Era difícil escapar de suas artimanhas!
O golpe funcionava assim:
* Quando o capiau – cidadão geralmente usando calça caqui, camisa lisa ou listrada com a fralda por dentro da calça, chapéu e botina rústica de couro – passava, denotando que era ‘da roça’, geralmente trazendo a guaiaca recheada, um dos vendedores então se aproximava e oferecia o corte de tecido!
* Enquanto o vendedor tentava enrolar o cliente indeciso, outro companheiro passava de mãos vazias, parava, fingia se interessar pelo corte, dizia que estava muito barato e ‘comprava’ os tecidos…
* Incentivado pelo ‘comprador’, o capiau também acabava comprando alguns cortes…
* Às vezes, quando o capiau estava relutante em cair na tramoia, o vendedor propunha uma compra casada;
* – Olha, estes seis cortes a cinquenta cada um, dá 300… São os últimos que tenho… Se vocês juntos arrematarem o resto, eu faço tudo por duzentos cruzeiros… cem para cada um, quase metade do custo! – dizia ele… e fechava o negócio.
* O falso comprador então se afastava, ia tomar um cafezinho no mercado municipal ali perto, – ou uma dose de suco de gerereba! – e meia hora depois voltava para devolver os cortes e pegar seu dinheiro de volta!
E o ciclo recomeçava, com os personagens em papeis invertidos!
Os estelionatários do calçadão da Casa Morato ‘deram’ a manta em muitos capiaus ingênuos que por ali passaram ostentando seu embornal de lona cor de terra a tiracolo!
Eu tinha na época 12 anos de idade. Achava aquilo curioso, mas não sabia exatamente o que estava acontecendo.
Sim, mas, o que havia de mais em os camelôs usarem aquele ardil para vender o seu produto?
Bem… é que, se não fosse a ladainha do vendedor e principalmente do falso comprador, o matuto não compraria nada!
Além do mais, os cortes de tecido ‘empurrados’ na lábia goela abaixo do roceiro, eram da pior qualidade… Não valiam sequer um quinto do preço pelo qual eram vendidos!
Uma década depois, já na policia, eu entendi que, o que os vendedores de fazenda do calçadão da Casa Morato faziam, era uma modalidade de “Conto do Vigário”!
Décadas depois reencontrei os vendedores de fazenda nos clubes de carteados nas imediações do Mercado Municipal. Não eram tão velhos mas quase tinham vida desregrada. Hoje quase todos já morreram. Um deles, ironicamente eu levei agonizante para o pronto socorro numa quarta feira de 1992. Na segunda-feira seguinte eu soube que o baianinho Josias havia sido sepultado no sábado anterior!
Nenhum daqueles vendedores de fazenda, que passaram a ‘manta’ nos capiaus no “Calçadão da Casa Morato” nos anos 70, conseguiu comprar sequer um palmo de terra com o dinheiro ganho na venda fraudulenta de ‘cortes de fazenda’!
Naquela época já havia ladrões?