Tonho é um cidadão simples, de sessenta e poucos anos, sem estudo, mas muito correto nos seus negócios. Comprou sua casinha há mais de quarenta anos e foi melhorando-a aos poucos. Nos últimos anos vinha juntando suas economias para fazer um “puxadinho”… Já tinha juntado cinco mil reais! Por segurança guardava a bufunfa debaixo do colchão!
Mês passado Tonho andava garboso pela rua quando viu a sorte bater à sua porta! Na verdade quem bateu de leve, timidamente, foi um cidadão com cara mais simples que ele. O moço humilde, de meia idade, bateu levemente nas suas costas para chamar-lhe a atenção. Quando Tonho se virou viu-se cara a cara com a pessoa que iria mudar sua vida! A pessoa que o deixaria rico de uma hora para outra! Tonho sempre sonhou ganhar na loteria, sempre fez sua fezinha mas nunca ganhou! Quando muito acerta uma dezena ou um terno no “bicho” de vez em quando e ganha uns trocados” Mas quando chega a ganhar sessenta, noventa reais, já jogou o triplo desse valor! Desta vez estava na sua frente o homem que iria devolver tudo que ele havia jogado na loteria com juros e correção monetária…! Tão logo se virou, o homem com cara de pelarmordedeus foi dizendo:
– Moço, eu tenho um bilhete da mega sena… Parece que tá acumulado! O premio dá quase seis milhão! Mas eu num sei ler. O senhor não me ajuda a receber esse premio? Eu dou 200 mil pro senhor…
Ao ouvir a palavra 200 mil reais Tonho engoliu em seco! Pensou logo na sua casinha. Há mais de quarenta anos ele vinha reformando sua casinha e até hoje não havia terminado. Tinha conseguido fazer uma laje mas faltava o dinheiro para o telhado… Estava juntando as economias… Já tinha cinco mil guardado! Duzentos mil dava para fazer um punhado de puxadinhos e ainda sobrava dinheiro!
Enquanto sonhava de olhos arregalados diante do “Simplorio” esperando juntar saliva para dar a resposta, alguém falou primeiro que ele…! Era Finorio! O moço também de meia idade, bem vestido, com cara de contador – literalmente com cara de contador… de Conto do Vigário! – entrou na conversa e foi dizendo em tom de censura:
– Meu Deus! Fala baixo! Se alguém escuta ao Sr. falar que tem um bilhete premiado o senhor corre serio risco de vida… Além de assaltar o Sr. eles podem mata-lo!
Assustados, de boca aberta, Tonho e Simplorio olharam para o ‘sensato’ moço preocupado com sua segurança. Antes que eles conseguissem fechar a boca para falar alguma coisa, – essa é a tática! Não dar tempo de o outro falar! – Simplorio voltou à carga…
– O Sr. diz que seu bilhete é premiado? Cinco milhões? Não o premio da mega sena esta semana está acumulado! Vai pagar mais de dezessete milhões e meio. Quase dezoito milhões de reais! O bilhete está com o Sr.? Eu tenho aqui os números sorteados… Acabei de pegar no computador do escritório. Ou vou falar os números e vocês dois conferem aí… Mas pelo amor de Deus não se manifestem, não façam festa. Se alguém souber que o Sr. ganhou essa fortuna até eu corro perigo!
À medida que Finorio ia falando os números ‘sorteados’, Simplorio ia respondendo:
– Deu…!
Tonho acompanhou tudo com os olhos compridos e o coração disparado.
Conferido e ‘confirmado’ que o bilhete do Simplorio estava de fato premiado, Finório propôs ajuda-lo a receber o premio.
– Olha, eu posso ajuda-lo mas você tem que dar pelo menos 500 mil, 250 pra mim e 250 para o Tonho! Temos que ir agora mesmo ao banco receber esse dinheiro! È perigoso ficar andando por aí com uma fortuna dessas! Meu carro está ali na rua de tras…
– Tudo bem, mas olha… Como eu vou saber que vocês são de confiança?
Antes que Tonho respondesse, Finorio emendou…
– Nós podemos deixar com você dez mil reais cada um! Eu estava justamente indo ao banco fazer deposito. Veja… – Finorio enfiou a mão num envelope pardo e mostrou um pacote que parecia ser notas de R$50 dobradinhas e amarradas com elástico. Tonho ficou triste! Não levava mais do que vinte e poucos reais amassados na algibeira! Antes que ele respondesse que não tem dez mil reais, Finório o animou perguntando:
– E você Sr. Tonho? Tem dez mil reais no banco, na sua casa…?
Tonho logo pensou nos cinco mil guardados debaixo do colchão, juntados durante anos! Pensou no puxadinho, coçou a cabeça… Mas pensou que com R$250 mil daria para fazer uma dúzia de puxadinhos e ainda sobraria dinheiro! E caiu no Conto do Vigario – quero dizer, entrou na jogada!
Ao vê-lo chegar em casa no meio do dia, dona Maria se assustou e quis saber o que aconteceu. Tonho disfarçou. Respondeu entredentes ligeiramente irritado. Tomou um gole d’agua e foi para o quarto pegar a grana. Maria foi atrás.
– O que você vai fazer com o dinheiro do “puxadinho”? – perguntou ela pensando mil coisas!
– É negocio de homem, mulher! Não enche o saco, não…
A resposta foi péssima! Maria pulou na frente e rodou a baiana…
– Nem por cima do meu cadáver! Voce não vai sair daqui sem explicar o que vai fazer com o dinheiro do puxadinho! Eu também economizei para juntar…
Sem querer demorar, com receio de que Finorio, que esperava na rua de baixo convencesse Simplorio a ir embora sem ele e ficar com os ‘seus’ R$250 mil, Tonho contou rapidamente à Maria o sucedido…
– E ele vai dar R$ 250 mil pra cada um de nós. Mas ele quer uma ‘prova de confiança’. O ‘contador’ já entregou pra ele um pacote com dez mil! Deixa eu ir logo, mulher, antes que ele desista do negocio e eu perca duzentos e cinquenta mil…
Maria, com os pés no chão, sentindo cheiro de maracutaia, tentou alertar Tonho…
– ‘Ben’, será que isso não é golpe, não? Esse mundo tá cheio de gente vigarista!
– ‘Ara’, Maria… Cala boca! Mulher não entende nada de negocio de homem, não! – E saiu de casa quase empurrando Maria para tirá-la da frente da porta do quarto, enfiando o pacote de notas diversas no bolso. O dinheiro do ‘puxadinho’, juntado durante anos, de um ‘golpe’ daria para fazer muitos puxadinhos…!
Sentado atrás do volante do Fox preto, Finório esperava sereno a volta de Tonho. No banco de trás estava Finorio… Com a mesma cara de pelamordedeus! Com olhos de despedida Tonho entregou o pacote do rico e suado dinheirinho à Simplorio. Estava lançada – laçada – a sorte! Após rápida folheada no maço de notas diversas, sem conferir, ele guardou na singela ‘patrona’ de couro, própria de gente da roça. E seguiram em direção à Caixa Econômica Federal para sacar o premio acumulado da mega sena!
Enquanto seguiam em busca da fortuna, Finorio falava emendadinho – para não dar tempo a Tonho de se arrepender – sobre seus planos com o dinheiro ganho na loteria! Já haviam rodado alguns quarteirões quando de repente Simplorio começou se estrebuchar no banco de tras…
– Ai, ai… Estou passando mal… É o coração! Eu tomo remédio para o coração… Esqueci a hora… ai… meu remédio… está na minha patrona. Pega pra mim… pega também a garrafinha d’agua… ai, ai…
Estavam passando próximo a um mercadinho. Finorio mais que depressa embicou o Fox preto na primeira vaga que encontrou, virou-se para trás, pegou uma cartela de remédio, uma garrafinha e exclamou…
– A garrafa d’agua esta vazia!!!
– Ai meu Deus, ai meu Deus… então eu vou morrer antes de receber a bolada…! Uma garrafa d’agua pelo amor de Deus…
– Vá, Sr. Tonho… Compre uma garrafa de agua para ele tomar o remédio. Rápido…!
Pensando unicamente na possibilidade de não receber os R$ 250 mil do bilhete premiado caso Simplorio morresse antes de chegar à CEF, Tonho saltou do carro e foi comprar a garrafinha d’agua no mercadinho. Quando voltou um minuto depois, só o pó…!!! Nem a fumaça do Fox preto ele viu mais! Simplorio & Finorio haviam dobrado a serra do cajuru levando o bilhete premiado e os cinco mil reais do ‘puxadinho’. A famosa dupla havia acabado de aplicar mais um Conto do Vigario em Pouso Alegre!
Quatro horas depois Tonho voltou para casa só com o cabo do guarda chuva na mão! Mais tarde, ainda com raiva – com vergonha de ter caído num golpe tão antigo! – ele reuniu a família e contou os fatos. E ameaçou cortar na guasca qualquer um da família que contasse seu fiasco fora de casa.
Por ora o sonho do puxadinho está adiado! E ai de quem lhe pedir uma garrafinha d’agua…!!!
A historia do Tonho foi ligeiramente floreada… Mas aconteceu de verdade em meados de dezembro em Pouso Alegre. Mudei apenas os nomes dele e da esposa.
O homem que entregou de mão beijada suas suadas economias nas mãos de uma dupla de vigaristas poderia ser qualquer Tonho, João, Jose, Joaquim, Epaminondas, Godofredo ou Felisbino… Menos Zeca Juru! Pois meu amigo Zeca Juru, quando quer fazer um puxadinho em sua casinha branca perto do riacho ao pé da Serra do Cajuru, planta uma rocinha de milho ou feijão de meia com o vizinho, ou engorda um porquinho, vende uns frangos caipira, para aumentar sua renda familiar…! Ele aprendeu desde pequeno que só tem uma maneira de ganhar dinheiro honesto… Suando a camisa! Trabalhando! Ganhar dinheiro sem fazer força tem cheiro de maracutaia!
O Conto do Vigario é velho. Se confunde com a existência da humanidade. Sempre existiu pessoas desonestas dispostas a dar rasteira em alguém… E sempre existiu espertinhos prontos para receber a rasteira! O mundo se transformou no ultimo milênio! Menos o homem. Menos a cobiça. O homem continua sendo escravo do ‘vil metal’!
Enquanto existir pessoas com olho grande no dinheiro dos outros, a famosa dupla Simplorio & Finorio continuará rodando o país de um lado a outro aplicando seus golpes e se dando bem…!
* Na semana passada foi a vez de dona Maria – Maria mesmo, Maria A.S.S. 71 anos, moradora do Arvore Grande – entregar de mão beijada R$ 9.800 à famosa dupla, duas mulheres… Simplória & Finória! Ela foi abordada nas imediações de sua casa e ouviu a mesma ladainha do bilhete premiado. Meia hora depois ficou só com o cabo do guarda chuva na mão! O mais interessante é que dona Maria entrou no carro das vigaristas, foi a dois bancos onde sacou cinco mil em um e quatro e oitocentos em outro! Já com a bufunfa na bolsa Finoria levou dona Maria de volta à casa dela para pegar um comprovante de residência e transferir o premio para sua conta…! Quando Maria vai com as outras, desculpe, dona Maria voltou com a conta da Copasa na mão Simploria & Finoria já estavam rodando serenas, livres, leves e soltas no carrão preto pela Fernão Dias em busca de novas vitimas de olho grande!
Voce está rindo da historia da dona Maria? Da desgraça do Tonho?
Pare de rir e conte esta historia para os seus amigos, para os seus parentes, para o pessoal do escritório! Conte inclusive para os colegas da faculdade! Isso pode evitar que eles também caiam no Conto do Vigário…!