Quando entrei no “Bar do Gomes” na Evaristo Valdetario no bairro da Saúde às dez e pouco da noite da primeira sexta feira de julho de 1994, o boteco estava lotado… É que além dos simples e saborosos tira-gostos que ele servia toda sexta feira, a loira gelada estava muito mais sensual! Estava mais suada e ‘doce’!
Não, não haviam alterado os ingredientes ou o sabor da velha companheira de comemorações! O que tinha mudado era o preço!
Na sexta anterior, ou melhor, no “dia anterior”, a loirinha gelada custava CR$ 2,750 (Dois mil e setecentos cruzeiros reais)… Agora custava apenas uma URV! Apenas uma moeda! Na verdade, na pratica era a mesma coisa, mas a impressão psicológica era outra… Apenas uma moeda de um real!
Parecia que a bebida predileta depois da pelada que a gente jogava na quadra poliesportiva Júlio Pereira Neto toda sexta feira, havia baixado! Aliás, coisa praticamente impossível naqueles tempos de inflação galopante. Uma cerveja por apenas uma moeda! Ah, podíamos beber muito mais a partir daquele mês de julho de 94…
Essa garotada que vai votar pela primeira vez no próximo dia 05 de outubro e escolher os novos governantes do país não devem estar entendendo patavina do que estou falando! E nem poderia entender, pois em 1994 nem pensavam em nascer!
Vamos trocar em miúdos!
Desde a década anterior, o Brasil vivia tentando equilibrar as finanças, atolado na divida externa, tentando dirigir a inflação e derrapando em novas moedas – cruzeiro, cruzado, cruzado novo, cruzeiro novo. Enquanto isso, o que os supermercados mais compravam eram etiquetas novas! Os funcionários que mais contratavam eram remarcadores de preços… As lojas de eletrodomésticos, por exemplo, não tinham a menor pressa em vender seus produtos, pois no dia seguinte poderiam vender por um preço superior. “Marreteiros” de carros que tinham dinheiro compravam e escondiam… Uma semana depois vendiam seus ‘poisés’ pelo dobro do preço! Quem tinha um cruzeiro novo sobrando – raridade! – e deixasse no bolso, no dia seguinte teria apenas noventa centavos! Tudo por causa da inflação que comia mais que ferrugem! Inflação que não era medida mensamente, mas sim diariamente!
Até que o Ministério da Fazenda do presidente Itamar Franco – que coincidentemente era chefiado por Fernando Henrique Cardoso – e sua equipe arquitetou um novo plano econômico e criou uma nova moeda… O Real!
É claro que ninguém acreditou que daria certo! Seria mais um plano fracassado como os demais. Mas, como estávamos todos num barco à deriva, sendo arrastado pela caudalosa correnteza da inflação e pelos juros do FMI, qualquer ramo na beira do barranco poderia ser a salvação! E todos agarraram…
Mas antes tínhamos que aproveitar! Tínhamos que fingir que a loirinha gelada depois das peladas de sexta feira realmente tinha baixado de preço…! Ou que o nosso suado dinheirinho valia mais…!
Os primeiros anos de luta com o monstro foram os mais difíceis. E o governo venceu. O povo venceu. O plano deu certo e conseguiu tirar o Brasil do atoleiro, do pântano. E o monstro da inflação ficou lá!
Só que não foi decapitado, esquartejado e sepultado, não! O mostro foi apenas derrotado, mas continua vivo. Vira e mexe, mexe e vira, ele se remexe, solta uns ganidos sombrios e tenebrosos tentando se levantar…!
No inicio deste marcante mês de julho a vitória do Real sobre a inflação completa 20 anos! O Brasil pagou sua dividas e, segundo alguns, nos últimos anos, já tem até ‘socorrido’ vizinhos pobres como Cuba, Venezuela, Bolivia…! Se compararmos o Brasil da loirinha gelada de CR$ 2.750 com o Brasil da loirinha de uma URV e posteriormente Real, o de hoje vai bem, obrigado. Mas poderia ir muito melhor! Aliás, muuuuito melhor.
Esta tosca e mal inspirada crônica não pretende ir longe e nem mudar o rumo de nada. Dada sua pobreza de dados e argumentos, não pretende nem mesmo despertar a consciência do jovem que vai escolher seus governantes no dia 05 de outubro próximo. Na verdade, acho que eu só queria mesmo dizer que aquela loirinha que eu agarrava com ardor nas noites de sexta feira depois da pelada, no bar do Gomes há vinte anos, ao preço de CR$ 2.750, hoje, mesmo com a inflação dominada, está custando CR$ 13.750… Ou seja: R$ 5 reais! Ou 5 URVs!