O soldado que nasceu no dia 31 de novembro!

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Eram exatamente treze horas da tarde ensolarada e quente de novembro como hoje. Os setenta e dois soldados da Bateria Comando estavam simetricamente enfileirados por colunas sob a cobertura ao lado da Bateria, quando o grandalhão oficial Vargas, recentemente promovido a Capitão recebeu o comando do cabo-de-dia. Após dar a ordem costumeira.

-Descaaaaasarrrrrr…

Passou a fazer uma chamada aleatória;

– Três vinte e quatro …

– Rabelo – Respondeu com voz grave o refratário de 22 anos, de Machado.

– Três trinta…

– Héééélio – respondeu o mecânico de Santa Rita esticando o ‘e´’.

-Tres zero quatro …

– Máts – respondi apimentado o ‘a’ e engolindo o ‘o’.

– Três quarenta e nove …

– Evaniuuuuudo – respondeu o soldado Evanildo, prolongando o som do ‘u’, em tom grave. Quem apenas ouvisse a voz, acharia que era um homenzarrão de 1,87mts, quase do tamnho do ‘Vargão”. Era um baixinho marrudo que fazia flexão com um braço só mas não media mais do que 1,68mts. Foi campeão do Pentatlo militar naquele ano, mas foi reprovado no PELOPES, por falta de altura. Eu por que era muito franzino…

O comandante deu três passos lentos na direção do soldado, parou na frente dele, de  braços cruzados nas cotas e repetiu, como se estivesse do outro do prédio;

– Soldado 349?…

Evanildo desfez a posiçao de sentido, afastou as mãos das coxas, afastou a perna direita e voltou a juntá-la batendo o salto do coturno brilhoso no calcanhar esquerdo ao mesmo tempo que batia as mãos espalmadas nas coxas, emitindo um unico som, no mesmo segundo em que repetia no mesmo tom do capitão…

– Evaniiiiuuuudo… Senhooor…!

O capitão grandalhão soltou os imensos braços ao longo do corpo e ficou alguns segundos parado à frente do soldado, olhando  para baixo tentando encontrar seus olhos protegidos pela aba do quepe, até que disse;

– Sabe o que eu vou fazer agora, Baixinho ?? – Por ser atleta, Evanildo era seu ‘peixe’… isso lhe permitia essa ‘intimidade’! – Vou te dar um tabefe no pé da orelha, que você vai sair ‘catando cavaco’…!

Sentimos o sangue acelerar em nossas veias! Que comportamenro era aquele do Capitão? Estávamos aostumados a receber ordens, receber castigos físicos, do tipo “caia de boca” e pague 50 ‘pulinho de galo’, ou 20 flexoes. Ou então ofensas quase gratuitas do tipo “acerta o passo ‘Mocorongo’”… Mas ameaça, não. Ameaça era uma coisa muito pessoal. Não fazia parte da ‘hierarquia e disciplina!

E o capitão, que na verdade era simpático e bem humorado, emendou;

– Vou te dar um murro na cabeça que afundá-lo nesse piso de concreto…

A coisa era séria! – Pensamos. Evanildo, o “Baixinho” “peixe” do comandante, nem piscava! Devia ter feito alguma coisa muito grave! A tensão era grande. O silencio gritava…! E o capitão soltou a pergunta que os 72 soldados já não agüentavam mais conter:

– … Porque voce não existe, Baixinho!!!

Como? Passamos da perplexidade à confusão mental. Será que o capitão estava bem? De repente o comandante dá dois passos atrás, solta um braço das costas, vira-se para o restante da bateria e pergunta?

– Bateria, vocês conhecem alguem que tenha nascido no dia 31 de novembro!!!

É claro que ninguém ousou abrir a boca. Nem mesmo o Silvestre 367, de Cambuí, que tinha um parafuso meio solto. Até porque, a maioria daqueles soldados ‘voadores’ mal saídos da adolescência – inclusive eu – nunca havia reparado que o mês de novembro tem apenas 30 dias.

E o Capitão Vargas, matogrossense do sul, de Dourados, voltou ao seu ‘normal’ comentando e ordenando;

– Só mesmo em Espírito Santo do Dourado para ter mês de novembro de 31 dias!!! Baixinho… Fora de forma. Você está dispensado do expediente da tarde. Vá à sua cidade consertar essa ‘titica’! Esteja aqui para o expediante amanha de manhã… Se não quiser tomar o tabefe no pé da orelha!

Jose Evanildo Alves, o Baixinho ‘tres quarenta e nove’,  ‘peixe’ do Vargão na turma de 77, meu companheiro de ‘voação’ na biblioteca durante a faxina, cumplice nos furtos de abacate no quartel, depois colega de teatro amador e contemporaneo no ensino médio no Colégio Comercial São Jose, teve um pouco de dificuldade para ‘renascer’ aos 18 anos, em um dia que faça parte do calendario. A escrivã Iêdis, titular do único cartório de Espírito Santo do Dourado reparou seu próprio lapso e o deixou um dia mais velho. Hoje, 30 de novembro meu parceiro de tantas historias está completando 54 anos.

Parabéns “Baixinho”… Que Deus o abençoe sempre!!!

 

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