… E quem vai adotar o mendigo?

Desde que ouvi o primeiro tiro contra a fiel Valentina na frente do suntuoso banco da Adolfo Olinto, tenho acompanhado os demais disparos. Além da cadela do Rogério Narciso, que gosta de ser chamado de “Rogerinho Roth” os tiros acertaram outras pessoas. Acertou o vereador Helio da Van, acertou o próprio PM que disparou o gatilho, acertou toda a corporação militar, acertou o gerente do banco que chamou a policia para retirar o mendigo e sua companheira de estimação, acertou comerciantes que defenderam a docilidade do animal ferido, acertou um monte de aficionados em Facebook e agora que eu abri a boca, vai me acertar também.

Eu poderia ter abordado o assunto aqui no blog, com modesto conhecimento de causa, pois estive por quase trinta anos atrás de um trabuco e dezenas de vezes diante de um cão que defendia com bravura e fidelidade seu dono, ainda que ele fosse um infrator da lei. Durante anos tive mais de uma dúzia de cães de todas as raças e tamanhos, atualmente tenho cinco… Qualquer coisa que eu dissesse, no entanto, não aplacaria a polemica que o caso gerou!!! Por isso preferi deixar o assunto esfriar.

Agora que o caso de Valentina – que aliás, foi batizada graças ao tiro na bochecha – começa assentar a poeira, resolvi falar do Rogerinho Roth, o moço que dividia seu maltrapilho cobertor com a cachorra sob a marquise do banco.

Rogério Narciso é fruto de um desses romances “tapas & beijos” com final precoce. Ele nasceu na cidade do Rei Pelé em 1986, mas não chegou a conhecer seu pai. Sua mãe não suportou as agressões e o abandonou quando Rogério ainda estava nos cueiros. Antes que ele terminasse a infância, foi também abandonado pela mãe. Até o fim da menoridade ele foi criado por parentes;

– Depois que eu fiquei homem passei viver ‘por conta’. Na rua… não tinha motivo para ficar em casa – conta ele. Nasci no dia 14 de janeiro. Fiz 26 anos a semana passada, não ganhei presente – acrescenta Rogerinho com frustração.

– Anos atrás fui preso por 157… Depois matei um cara numa briga. Peguei nove anos e seis meses. Paguei três ‘de ponta’ e saí no semi-aberto. Quando sai da cadeia, com ulcera gástrica, não tinha para onde ir. Desde esse dia eu ando pro mundo… Faz um mês e pouco que estou em Pouso Alegre. Vivo na rua. Mas no Aterrado eu não vou, não, lá só tem nóia…

– De onde veio a cachorra Valentina?

– Ganhei de uma amiga… minha namorada – É verdade. Rogerinho Roth tem uma namorada surda–muda. É ela que lava suas roupas…

– O que você fazia antes de ser preso?

– Eu era operador de maquinas numa fabrica de tornos, jaquetas e peças para carro…

– O que você quer da vida?

– Eu quero um emprego… comida é fácil, todo mundo dá. Quero trabalhar. Quando eu peço alguma coisa as pessoas falam: “vá trabalhar”, mas ninguém dá emprego…

No inicio da nossa conversa ele estava entre ressabiado, agitado e desconfiado. Sentamos na escada do banco, ao lado do palco que lançou Valentina ao estrelato. Enquanto falávamos, Rogerinho olhava agitado o tempo todo para os lados. Embora nossa entrevista tivesse sido ‘agendada’ pelo Randolfo (Piula) de Paiva, pessoa com a qual ele já se acostumou ali nas imediações, Rogerinho parecia temer alguma coisa de ruim. Mas fazia questão de mostrar e até chamar a atenção das pessoas conhecidas que passavam por ali, como quem diz; “ eu tenho amigos, quem me conhece me respeita”. Nossa conversa durou cerca de meia hora. Não conversamos mais porque ele tinha que levar dinheiro para a namorada e estava muito ansioso para me apresentar seus amigos, numa loja ali perto. Na loja, onde já é ‘velho conhecido’, Rogerinho Roth ficou à vontade. Conversou de igual para igual com os funcionários como se fossem amigos de longa data.

Esqueci de perguntar se ele mantêm relações com a namorada com ou sem preservativos, mas não tem importância, a resposta seria obvia. O que quer dizer que daqui algum tempo, mais um “Rogerinho Rothinho” estará dividindo o surrado cobertor com Valentina.

Da conversa com o mendigo, transeuntes e comerciantes próximos ao local do tiro que espalhou estilhaços para todo lado, ouvi coisas, opiniões e comentários que – desculpem o ‘egoísmo’, tenho que guardar para mim – não ouso contar aqui. Vou plagiar uma frase que li no único jornal da cidade em 1984 sobre uma carta-resposta que escrevi: “este jornal não se presta a fomentar polemica”!!!

Este Blog também não quer fomentar polemica, mas agora que as luzes da gloria de Valentina começam apagar, seria bom voltar os holofotes para o mendigo, egresso da prisão, cidadão Rogerio Narciso… Ele também é filho de Deus. Se ele receber metade da atenção que recebeu a faceira Valentina nas redes sociais, a vida dele e de tantos semelhantes poderá se tornar tão digna e confortável quanto a da fiel amiga que ele cuidava.

Pelo que ouvi sentado ao seu lado na escada do banco e vi na loja ali perto, se Rogerinho Roth tomasse uma boa ducha e um ‘banho de loja’, colocasse um Rexona e fizesse umas trancinhas no cabelo que há meses não vê escova, ficaria irreconhecível e daria um excelente e tagarela vendedor em qualquer loja do centro da cidade…

Alguém aí quer curar as feridas do Rogerinho Roth e adotá-lo…???

 

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *