Onze da noite de um sábado gelado de 2010 na cidade de “Ventania”, ao pé da serra da Mantiqueira. De repente o silencio preguiçoso e bucólico do velho Hospital São Caetano, atrás da Igreja Matriz de São Jose, é cortado pelo burburinho de três adolescentes pedindo ajuda. Os três trazem à tiracolo um amiguinho tão jovem quanto eles, arrastado, apoiado, escorado, completamente grogue. Grogue é pouco, o garoto franzino de quinze anos está semi-consciente, quase agendando entrevista com São Pedro.
Diante da latente gravidade do quadro a medica de plantão pula a parte do agendamento formal e vai direto ao atendimento. Antes mesmo de interpelados, os amiguinhos preocupados vão logo informando o diagnostico;
– Ele bebeu demais.
Bem, se já temos o diagnostico, vamos direto para a propedêutica.
– Uma dose de 500 ml de soro glicosado, cerca de uma hora de repouso e daqui a pouco o garotão estará novinho em folha!!! – diz a medica.
Ah, mas e se a droga causadora da pane no pequeno jovem não foi suco de gerereba? E se foi pedra bege fedorenta, erva ‘marvada’, pó do diabo ou farinha do capeta?
A jovem medica, pós-graduada em Impactos da Violência na Família, com raro tino policial e preocupada realmente com a saúde do garoto, prepara calmamente o medicamento enquanto adverte sutilmente os amiguinhos do inerte na maca;
– Vou aplicar uma medicação para reverter o coma alcoólico, caso ele tenha usado outro tipo de droga o efeito, será adverso. O quadro pode complicar e ele pode morrer em alguns minutos.
Os três garotos trocam olhares exclamativos entre si. Diante da tétrica possibilidade, um dos garotos timidamente se adianta e admite meia verdade;
– Olha moça, eu não estava lá não. Mas ele costuma usar cocaína…
Ahhhh, bom. A advertência era apenas para ter certeza, pois as narinas russas e irritadas denotavam que o adolescente havia aspirado o pó do diabo minutos antes, até quase se enroscar nas malhas da morte.
Iniciado o procedimento para aplicação da medicação indicada e comunicado o Conselho Tutelar, a jovem, porém responsável e astuciosa medica foi cuidar de outros pacientes mais preocupados com a própria saúde.
Momentos depois o silencio da portaria do hospital voltou a turbar-se. E não era apenas burburinho. Agora era uma tremenda balburdia.
O garotinho havia despertado da letargia. Num arroubo de fúria e rebeldia havia arrancado os tubos que o ligavam ao soro que corria para suas veias e agora esperneava e ‘esmaneava’ na recepção, com o acesso do braço jorrando sangue, querendo ir embora para casa ou para qualquer outro lugar, enquanto os amiguinhos e enfermeiras tentavam dissuadi-lo.
… Era cena de novela das sete…!!!
Coincidentemente passava por ali um tio do garotinho foi Deus que o colocou ali, concluiu depois a preocupada medica – e quis ajudar.
Ajoelhado sobre o abdome do sobrinho, com uma serie de vigorosos tabefes nas faces ele conseguiu piorar um pouco a situação. Mas o subjugou…
… Era cena de filme de exorcismo da sessão coruja. E era só o começo.
O menino despertou sob os efeitos maléficos da farinha do diabo e rodou a baiana. Delirante, ele gritava a plenos pulmões;
– Eu tô possuídooo, eu tô possuídooo, eu tô com o diabooo!!!.
Um dos enfermeiros que tentava conte-lo, pastor evangélico, gastando seu repertorio de conselhos amenos, impostou a voz e soltou esta;
– Ja que você quer estar possuído, possua então em trinta e seis vezes sem entrada e sem juros, meu filho!
… Aí virou comedia italiana… – foi difícil conter o riso – com platéia da PM, que havia sido acionada pela conselheira tutelar, e de todos os que estavam de plantão em outros setores do hospital, que correram para curiosar o guaiú.
Assentada finalmente a poeira, com o garoto já exorcizado, eis que chega sua sofrida mãe, para receber fusquinhas, caras & bocas de alguns funcionários do hospital, pois ela (a mãe) é vista como arrogante, intransigente e chata de galocha noutras visitas, quando vai levar a filha diabética para tratamento.
Mais uma vez a altruísta medica – que duas horas antes, ao ligar para o marido para se queixar que o plantão estava sendo maçante, ouvira um sonoro:
– Lembre-se que você está aí para fazer a diferença –
… Fez a diferença. Recebeu a chorosa e cabisbaixa mãe de mãos abertas e convenceu os colegas de trabalho, de que ela, a mãe dos dois doentes – a diabética e o dependente químico – estava calejada demais para distribuir sorrisos no hospital, mas tinha seus direitos.
… Aí já era melodrama de final feliz.
Nem tanto, pois o garotinho que entupiu o nariz, o sangue e o cérebro com a farinha do diabo, continua dependente dela….
Não querendo plagiar meus conterrâneos do Vale do Ribeirão Santo Antonio, lá nos Coutinhos – pensando bem, que se dane o plagio, eu também sou de lá e uso muito esta expressão:
– “Será que dá uma vontadinha de pegar os distribuidores do pó do diabo pelo pescoço e torcer até virar pó… ou não”???
Dá muita vontade de fazer isso e muito mais.
eu vou te conta viu o mundo ta de pernas pro ar mesmo nao tem jeito…..