Jeff… O Homem do Chapéu Furado

                                                                                   CAPÍTULO VIII

 

                                                                                        O DUELO

 

A noite no saloon ainda estava morna, com tendência a esquentar. A cada momento entrava mais um frequentador ou forasteiro. O xerife e seu delegado estavam encostados no balcão conversando com Pat quando o pistoleiro da noite anterior chegou. O bezerrão dirigiu-se lentamente ao balcão e repetiu o pedido da noite passada. Ao ser atendido virou-se de frente para os frequentadores e passou a observar o movimento, como se estivesse procurando alguém. Nesse ínterim uma mesa desocupou próximo ao balcão e Morrison convidou Jeff a sentar e começaram um jogo de cartas. O pistoleiro de preto então aproximou-se, puxou uma cadeira, tirou um maço de dólares da algibeira, colocou sobre a mesa e antes que dissesse alguma coisa Morrison o antecipou.

– Estamos só matando o tempo. Não jogamos soma tão alta.

– Estão com medo? Ou sem dinheiro…

Ninguém respondeu.

– Eu aposto dez contra um. – Provocou o estranho.

Jeff recolheu as cartas, embaralhou, levou a mão ao bolso do colete, retirou um belo relógio de ouro e o depositou sobre a mesa.

– Estamos iguais – Disse laconicamente. Distribuiu as cartas e passaram a jogar em silencio.

O pistoleiro de trajes negros trocou uma só carta, ‘filou’ lentamente sem mexer os músculos do rosto, e tão lentamente quanto filou exibiu uma a uma as cartas sobre a mesa. Um ‘as’, uma dama, outro ‘as, outra dama… À essa altura já havia três ‘sapos’ em volta da mesa. Todos esticaram os olhos na expectativa de que a quinta carta repetisse um ‘as’ ou uma dama para completar o sexto maior jogo do pôquer. O pistoleiro, num último gesto de suspense deixou cair lentamente a derradeira carta de costas sobre a mesa. Foi um dos ‘sapos’, curioso e com medo, quem virou a carta: era uma dama. Full-hand! Imediatamente o pistoleiro esticou o braço para puxar o prêmio. Jeff deteve seu movimento com um aceno e mostrou suas cartas enfileiradas à sua frente. O próprio pistoleiro franzindo a testa, virou uma a uma, também lentamente. Oito de ouro, nove de ouro valete de ouro, ‘as’ de ouro e, finalmente, depois de perscrutar o entorno da mesa, virou a quinta carta… um rei de ouro!

– Flesch! – disse o jogador. Voce tem sorte no jogo rapaz. É a primeira vez que Bob Mat encontra um adversário à altura. A propósito, qual é o seu nome?

– Jeff… Rogers.

– Hummm…

Desta vez foi Bob quem deu as cartas.

– Eu desisto – balbuciou o xerife, mostrando uma trinca.

– Meu jogo também não vale. Apenas uma sequência mínima – disse Jeff sem confiança no jogo.

Bob não disse nada. Apenas colocou no monte um par de damas e tratou de trançar o baralho. Desta vez um leve sorriso sarcástico aflorou seus lábios sem, contudo, clarear seu semblante carregado e impassível. Após distribuir as cartas e fazer seu jogo trocando duas cartas, filou lentamente cada uma e deitou o jogo na mesa dizendo:

– Parece que minha sorte está voltando… Flesch de paus!

Jeff olhou para o jogo do adversário sobre a mesa, soltou um bocejo e baixou suas cartas à sua frente… Quadra de Rei!

Bob não pode disfarçar seu espanto. Foi como se tivesse tomado um choque elétrico. Mas continuou sem dizer palavra. A partir daí Jeff não perdeu uma mão. Puxou todas as paradas, pequenas ou grandes. Logo o pacote de dólares de Bob estava no seu bolso. Uma hora depois, já sem um tostão furado, o pistoleiro de trajes negros surpreendeu os dois homens da lei e os espectadores que haviam sido atraídos para a mesa com uma proposta descabida.

– Vamos jogar minha vida contra a sua. Quem perder… – interrompeu a frase no meio abrindo os braços como quem diz: ‘perde a vida para o outro’!

Jeff nada respondeu. Continuou dando cartas como se a aposta fosse cinco dólares.

Enquanto o jogo seguia tenso no saloon entre o pistoleiro e o delegado, vultos sombrios se esgueiravam na escuridão nos fundos da delegacia.

– Smith, cuide do carcereiro! Hill, traga os cavalos…

Segundos depois.

– Hei… que está acontecendo? É você Morriso… humpf…

O carcereiro não completou a pergunta. O punhal frio de Smith o calou para sempre. Ao mesmo tempo do lado de fora:

– Hei Tom, amarre as cordas nas barras, vamos arrancá-la!

Nesse ínterim, no saloon, a partida de vida e morte estava no auge da excitação para os espectadores. Bob Matt, tenso, colocou as cartas na mesa. Era um grande jogo. Quase impossível perder. Acreditando na vitória ele saboreou cada lance. Colocou as cartas viradas no centro da mesa e foi virando uma a uma em sequência… Oito, nove, dez, valete. Tudo de espada. Parou. Fez suspense. Qualquer carta do mesmo naipe seria um Flesch. Se fosse um ‘sete’ ou uma dama seria o jogo seria ainda maior, um Street Flesch… Nem quadra ganharia do seu jogo! Lentamente virou a última carta… Dama de espada! Street Flesch! Ele havia trocado duas cartas e dentre elas não vira nenhum ‘as’. Suspeitava que o adversário, que também havia pedido duas cartas, estava com quadra de ‘as’, que seria insuficiente para derrotá-lo. Só havia dois jogos para ganhar do seu. Já pensava em como iria desfrutar da vitória. Jeff também fez cena. Colocou as cartas de bruços na frente do jogo do pistoleiro bebedor de leite e foi virando uma a uma. Começou pela dama de paus. E foi descendo. Valete, dez, nove… todas do mesmo naipe. A ultima carta poderia ser um oito de paus… e empatar! Ou um Rei de paus… e vencer a parada! Mais alguns curiosos rodearam a mesa. Jeff então virou a carta… Rei de paus!

– Vá jogar pôquer assim lá nos fundos da minha casa!  Exclamou um gorducho segurando uma gigantesca caneca de cerveja.

– Está bem. Você ganhou. Agora estamos quites. – Balbuciou Bob Matt.

– Quites!? – perguntou Jeff.

– Sim. Na hora do tiroteio na rua, mais cedo, se eu não tivesse atirado naquele barbudo, você não estaria jogando aqui agora.

– Ok. É razoável…

– Há um detalhe. Em todo o oeste, jamais alguém venceu Bob Matt no pôquer e continuou em condições de contar a outros a façanha…

– Hummm … – fez Jeff, juntando a bufunfa e guardando na algibeira interna do colete.

– Espero você amanhã, sozinho, na rua principal, ao por do sol… para decidirmos quem é o melhor… no colt! – falou Bob Matt se levantando.

– É uma questão apenas de ser o melhor ou tem algo mais? – perguntou Jeff,

– “Algo mais”… – foi a resposta pausada do pistoleiro de trajes negros, deixando o saloon.

– Carson City está importante. Dois astros do baralho e do colt resolveram fazer seu show aqui. Será um espetáculo e tanto! – comentou um dos ‘sapos’ do jogo.

– Hei barman, me vê um whisky. Hum, Morrison, não está ouvindo algo estranho para os lados da delegacia? – perguntou Jeff, correndo para a saída do saloon.

Nesse instante os últimos bandidos acabavam de montar em seus cavalos atrás da cadeia.

– Vamos logo seus molengas! O xerife vem aí. Atirem e tratem de dar no pé – disse o líder do bando que resgatou o preso.

Mais um tiroteio teve início naquele dia na história da pequenina Carson City.

– Derrubei mais um… e vai mais um para o inferno. Acabou minha munição xerife. – Informou Jeff.

– A minha também… e eles já estão fora do nosso alcance. Não adianta persegui-los. Os cavalos estão na cocheira – ponderou Morrison.

– Bolas! Só acertei quatro deles com 12 balas…

– “Só”! Você diz. Eu com seis tiros acertei apenas um!

– Movimentado o dia hoje, hein? Uma dúzia de cadáveres. Assim vamos acabar com a população do condado…

– Ontem seis e amanhã mais alguns. – Completou Morrison – quem passará apertado será o Jasper da funerária…

– … e também o coveiro! – Completou Jeff.

No dia seguinte, ao por do sol, a rua principal de Carson City ganhou um movimento além da rotina. A notícia do duelo entre o pistoleiro de trajes negros e o jovem delegado Jeff correu de boca em boca e atraiu quase todos os moradores do local. Duelos entre pistoleiros nas pequenas cidades do oeste eram comuns. Entretanto, aquele envolvia um forasteiro misterioso e um defensor da lei local, e por um motivo totalmente descabido. Jeff, embora não conhecesse as reais intenções do desafiante, sabia que não teria paz se recusasse o desafio. Embora não fugisse de confusão, ele se envolvia para restabelecer a justiça e por isso mesmo inspirava confiança na população. Ainda assim o duelo teve um grande movimento de apostas.

– Dez dólares em Bob Matt – dizia um.

– Aposto meu cavalo ferrado das quatro patas em Jeff… e dou alguns segundos de ‘lambuja’ – topou outro.

– Cinquenta pesos no delegado – desafiou o bigodudo dono da mercearia no fim da rua.

– Trinta dólares em Jeff – desafiou outro.

– Eu como meu chapéu ensopado sem farinha se Jeff vencer o pistoleiro – falou outro.

Stam o médico, um velhinho de cabelos brancos cobrindo as orelhas e calvo no cocuruto, também queria apostar.

– Aposto todas minhas economias no jovem xerife. Ele lembra o velho Hobson. De frente ninguém conseguirá abatê-lo. Hei você aí… – disse ele se dirigindo a um jovem barbudo e sem bigodes de chapéu coco – … em quem você aposta?

– Em ninguém doutor. Estou mais liso que sua careca. Mas como meu chapéu se o xerife sobreviver.

– Decidido hein, rapaz? Vá preparando o sal e a pimenta, pois você vai comê-lo. Caso contrário eu lhe darei 50 dólares.

A hora fatídica se aproximava. O sol dolente, como que querendo prorrogar o embate, ou preservar uma vida humana, descia lentamente no horizonte. Os dois homens tomaram seus lugares, cerca de quarenta metros um do outro. Jeff estava de frente para os raios vermelhos do sol que se deitava no final da pradaria, o que lhe turvava um pouco a visão, mas ele não se incomodava. Não estava acostumado a duelos, no entanto, confiava em sua própria agilidade e sabia que tinha que sobreviver a qualquer custo. Repentinamente um forte vendaval irrompeu nas ruas de Carson City levantando poeira e fazendo muita gente segurar os chapéus. Era um aviso de que a morte viera buscar um dos dois. Jeff e Bob permaneceram imóveis, atentos. Lentamente seus dedos desceram e desabotoaram os coldres. Os olhos de um fixados nos olhos e nos dedos do outro e vice versa. De repente, sem que as pessoas que também estavam atentas pudessem distinguir os movimentos de um e de outro, soaram dois disparos, que mais pareceram tiros de canhão. O vento, tão bruscamente quanto surgira, se foi, como se fosse a morte que após fazer sua vitima, vai embora deixando no chão um corpo sem vida, com um buraco na testa, o revolver com uma cápsula deflagrada caído do lado. Assim estava Bob Matt, o pistoleiro de trajes negros, bebedor de leite… jogador – quase – imbatível de pôquer… que não conhecia derrota. Na verdade, morrer baleado de frente, por outro homem mais rápido do que ele, sempre fora seu objetivo.

Jeff recolocou lentamente o colt no coldre, inclinou-se, apanhou seu chapéu no chão, sacudiu a poeira e constatou: havia mais um furo na copa do chapéu! Com o dedo no pequeno orifício feito à bala, se dirigiu à delegacia comentando:

– O sujeito que inventou a copa do chapéu tão alta merece um prêmio!

As pessoas que assistiram a tudo aquilo. Agora silenciosamente pagavam suas apostas.

Jeff tinha um senso cômico bem limitado. Nunca ria dos seus gracejos ou de outras piadas. Porém, a cena que presenciou à caminho da delegacia o fez dar uma boa gargalhada. Na frente do velho medico estava o turco barbudo sem bigode mascando seu velho e encardido chapéu de couro enquanto o velhinho calvo grisalho dizia:

– Quer mais pimenta? Ou um pouquinho de sal? Comida sem sal enfraquece…

 

 

*** A aventura de Jeff, o homem do chapéu furado em Carson City, continua na próxima quinta-feira, 03.

 

 

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