Nosso terceiro e último encontro foi na sua casa. Não fui convidado. Fui de bicão… e levei comigo 15 detetives! Missão: procurar uma espingarda calibre 12!
A primeira vez que eu o vi – ao vivo e à cores… e perfumado! – foi na recepção da delegacia de polícia de Pouso Alegre, em 98, no auge da fama. Passou por mim, deu um leve tapa no balcão, como se fosse um velho funcionário, e seguiu direto para o gabinete do delegado regional. Entrou sem bater e sem ser anunciado. Seu perfume entrou alguns segundos antes dele na DP e não conseguiu acompanhá-lo… Ficou perdido durante horas flutuando pelos corredores!
Assim era Thomas Green Morton de Souza Coutinho – meu primo distante. Não precisava ser anunciado… seu perfume o precedia! Não precisava bater… as portas – dos amigos graúdos! – estavam sempre abertas! E deixava um rastro por onde passava!
Esse foi nosso primeiro encontro. Aliás, ‘meu’ primeiro encontro, pois ele passou por mim como se eu não existisse!
Nosso segundo encontro também foi unilateral, só eu o vi! Mas desta vez foi bem menos glamouroso. Foi às cinco horas de uma manhã gelada de 2002. Eu estava tirando um cochilo no CPD da delegacia, repartição na qual eu trabalhava durante a semana, quando meu parceiro de plantão me chamou para auxiliá-lo, pois havia ‘conduzidos’! Na verdade, era apenas um conduzido: Thomas Green Morton. Ele estava sentado no frio e liso banco de madeira da DP e não me cumprimentou com o tradicional braço direito levantado e o famoso “Rá” que o tornou famoso. E nem poderia. É que ele estava amarrado… amarrado num pé de cana! Mamadiiiinho, mamadiiiiinho! E foi justamente o suco de gerereba que o levou para a delegacia no final da madrugada. Mas não foi por embriaguez ao volante… Foi por homicídio culposo ao volante. Depois de passar boa parte da madrugada abraçado com ‘Severina do Popote’ na danceteria Maracanã, Thomas abraçou o volante do seu Troller e tentou voltar para seu sítio no bairro caiçara, do outro lado da cidade. Não foi longe! Na saída da Três Corações, a pouco mais de duzentos metros da danceteria, ele entrou na Augusto Gomes de Medela como se a avenida fosse só dele, como se não houvesse amanhã! E não houve mesmo, ao menos para uma pessoa! Um pobre padeiro passava por ali naquela fria manhã a caminho do trabalho. O choque foi inevitável. A morte foi instantânea.
Demorei para reconhecer o “guru das estrelas” ali no banco da DP. Ele usava seu traje característico: coturno preto, calça preta, camisa escura, blusão de couro preto, cordões, correntes e os longos e espandongados cabelos pretos. Mas estava só. Tão só quanto um mortal comum. Não havia nenhuma estrela da música ou de novela com ele. Parecia sonolento, parecia desacorçoado, parecia embriagado, parecia um paranormal… normal!
Nosso terceiro e último encontro se deu pouco tempo depois, na sua casa no Caiçara em Pouso Alegre. Não fui convidado. Fui de bicão… e levei comigo 15 detetives! Missão: procurar uma espingarda calibre 12!
Thomas ficou famoso por desentortar garfos, fazer brotar perfume da palma da mão e curar doenças, qualquer doença, especialmente de pessoas famosas e endinheiradas. Apesar de todo esse dom para grandes obras e causas – remuneradas em dólares – Thomas tinha dificuldade para lidar com coisas pequenas… inclusive para ‘política de boa vizinhança’! Seu vizinho do lado de cima de sua chácara no Caiçara que o diga. O tiro disparado da estrada defronte derrubou quase três metros de muro! Minha visita naquela manhã ensolarada era para apreender a destruidora calibre 12.
Algumas peculiaridades no cumprimento daquele inusitado Mandado de Busca e Apreensão na chácara do Homem do Rá, tanto tempo depois, continuam latentes! A primeira foi a recepção do seu caseiro. Quando informei o propósito da ‘visita’ ele disse:
– “Ah, tá… o Thomas acorda sempre ao meio-dia. Podem esperar aí fora que a hora que ele acordar eu chamo vocês”!
Acho que o caseiro não me conhecia, rsrsrsrs…
Eram quase dez da manhã. Empurrei delicadamente o portão e entramos. Dividi o grupo de dezesseis em quatro e cada um mirou um alvo. Fui com meu grupo para a casa principal, o palácio, onde o ‘príncipe adormecido’ desfrutava das caricias de Morfeu! Na varanda sul do ‘palácio real’ havia um extenso mural donde se podia avaliar as amizades e influência do ‘guru’ – metros e metros de fotografias com pessoas importantes, dentre elas, juízes, delegados, promotores, políticos e, claro, artistas famosos! Entre as fotografias, que hoje seriam selfies com o paranormal, estavam o do homem da capa preta que assinou o mandado de busca e apreensão e a do ‘manjura’ que me passou a missão de encontrar a cartucheira! Missão ingrata e infrutífera. Durante quase duas horas varremos cada centímetro da chácara do guru… e não encontramos a malfadada arma que derrubou o muro do vizinho e chamuscou seu topete!
Dizem as más línguas, que tão logo saí da delegacia com minha mega equipe, o mesmo delegado responsável pelo IP ligou para o investigado e avisou:
– Bom dia meu amigo… estou mandando uma equipe aí na sua casa para procurar a tal espingarda. É ordem do juiz, sabe como é né … Mas fique tranquilo. É só uma formalidade – teria dito ele quase pedindo desculpas pelo incomodo.
Despertado com o burburinho da nossa respeitosa presença, Thomas ‘Rá’ Green Morton deixou sua alcova real e juntou modorrentamente a nós, em trajes de quatro paredes, protegido por um singelo roupão. Não parecia aborrecido e nem surpreso. O que chamou a atenção, no entanto, não foi sua indiferença àquela invasão legal! O que todos nós percebemos e sentimos, aliás, não sentimos foi seu cheiro! Ele não exalava seu tradicional perfume que inunda todo lugar espaço que ocupa! Parecia um paranormal… bem normal!
Desmascarado pela ‘Vênus Venenosa’ em seu programa domingueiro em 2002, O Homem do Rá saiu de cena. Passou anos longe dos holofotes, numa chácara no município de Capitólio, região do Lago de Furnas. Foi lá que ele foi preso em 2010 por conta do homicídio culposo do padeiro na saída da danceteria quase dez anos antes.
Longe dos holofotes, mas sem desprezar seus dons recebidos dos céus em forma de raio durante uma pescaria em dia chuvoso no bairro Faisqueira em 1959. Sem alarde ele continua vendendo ‘curas sensitivas’ as quais nem sempre é possível entregar. Enredado em suposto crime de cárcere privado em Pouso Alegre na semana passada, Thomas recebeu as pulseiras de prata e foi sentar-se ao piano do paladino da lei na DP. Ele é bom com garfos… as pulseiras de prata ele não conseguiu entortar!
Desta vez – sem os amigos das ‘selfies’ para avisá-lo das buscas – os homens da lei conseguiram encontrar armas na sua casa. No entanto, as características das armas comportam fiança – dentro da lei -, por isso Thomas responderá a mais um processo em liberdade!
Enfim… Thomas Green Morton continua sendo um paranormal… bem normal!