O terceiro dia de 2011, uma terça feira, foi um dia típico de verão. Choveu quase o dia todo. Chuva fina, chuva chata, chuva fria, chuva de molhar bobo. Ideal para se ficar em casa, ver filmes de melodrama ou de aventuras de Indiana Jones e dormir, ou… ir para um boteco dar uns amassos na loira gelada ou na Kátia… ça. La na minha terra um dia assim é aproveitado para roçar pasto, com foice ou arco…
Enquanto o céu cinzento e carrancudo despejava lentamente a chuvinha fria, durante mais de uma hora, uma figura quase sinistra rondava o quarteirão da rua Benedito Soares no bairro Jardim Satélite. Um crime quase macabro estava para acontecer. O sujeito de meia idade, branco, forte, ligeiramente calvo e grisalho, óculos de grau, debaixo de um guarda chuva preto andava soturno lentamente sob os beirais das casas e das arvores, esperando pacientemente a chegada da vitima. Não estava armado, mas a raiva que trazia no peito era capaz de matar… até com o cabo do guarda chuva.
Eram cinco e meia da tarde e ainda chovia fino quando um VW Saveiro parou em frente uma casa. Era conduzido por Jose Donizette Amantino e trazia no banco do passageiro o amigo Jose Luiz Garcia. Passaram boa parte da tarde abraçando umas loiras num boteco ali perto. Não estavam mamados, mas estavam bastante ‘altos’. Antes que o mecânico saltasse a soturna figura se aproximou e teve inicio um ligeiro trololó. O passageiro do Saveiro, Jose Luiz Garcia não entendeu bem o motivo e nem o conteúdo da discussão. Pode perceber apenas que o homem do guarda chuva falava de uma dívida.
Para por fim ao rápido e ríspido dialogo, Jose Donizete fez menção de saltar da caminhonete. Não teve tempo. Através da janela semi-aberta o vulto sinistro bateu com toda força que o braço permitiu, com o guarda chuva no seu rosto. A ponta rombuda do objeto acertou o olho esquerdo. O golpe foi tão violento que atravessou o glóbulo e penetrou até a massa encefálica. A dor física é determinada pelo cérebro. Com ele danificado Jose Donizette não chegou a sentir dor. Entrou em coma ali mesmo. Passou por cirurgia no hospital regional para retirada da ponteira de plástico do guarda chuva do globo ocular e nunca mais abriu o olho que sobrou.
O sinistro cidadão do guarda chuva assassino naturalmente não esperou para conferir o estrago que fizera. Tão misterioso quanto chegara, dobrou a serra do cajuru.
Mas quem era ele?
O passageiro Jose Luiz não o conhecia. Os familiares da vitima não o viram. Os vizinhos até então não haviam reparado a macambúzia figura na rua. A única pessoa que o conhecia… nunca mais faria qualquer movimento ou emitiria algum som.
Este era um mistério para os investigadores da 1ª Delegacia Regional de Policia Civil de Pouso Alegre, orientados pelo sempre comedido delegado Gilson Baldassaris, desvendar. Saíram a procura da agulha no palheiro. Foram persistentes, apaixonados, competentes, pacientes e inteligentes. Juntaram as informações do passageiro e colega de copo Jose Luiz, dos filhos da vitima, dos vizinhos, dos amigos de Jose Donizete. Pesquisaram os arquivos do instituto de Identificação e do DETRAN. Encontraram fotografias do provável suspeito, exibiram para as testemunhas e seis dias depois do crime encontraram a ‘agulha’. Chegaram ao viúvo João Batista Zorzetto, 52 anos, morador do bairro Santo Ivo, ao qual a vitima devia R$85 reais proveniente da compra de restos de material de construção. Dívida esta que se arrastava há meses e persistentemente cobrada por Zorzetto.
Interrogado pelos investigadores e pelo delegado de Crimes Contra a Vida, João Zorzeto abriu o livro, mas tentou amenizar seus atos. Ao sentar ao piano ele contou que há quase um ano vendera umas portas de aço, de madeira, batentes e uma estufa para Jose Donizete por R$850 reais – os investigadores levantaram que o valor era de 85 reais – e desde então vinha tentando receber a divida, sendo sempre ‘enrolado’ pelo devedor. Disse ainda que na chuvosa e macambúzia terça feira, abordou o devedor na rua e este teria ‘jogado’ o carro para cima dele e fugido, por isso foi esperá-lo perto de sua casa. Disse também que na discussão, fora ameaçado por Donizete por isso antes que ele descesse do carro, atirou o guarda chuva em sua direção sem ver onde acertou e que não ficou sabendo da gravidade da lesão.
Depois de assinar o 121 c/c 14 do CP, João Zorzetto, o vulto sinistro do jardim satélite voltou para casa, como manda a lei. Jose Donizette, o moço que enrolou para pagar uma divida de R$85 reais, parou de respirar duas semanas depois com restos do guarda chuva no cérebro.
Este foi o primeiro homicídio do ano de 2011 em Pouso Alegre…