J.P., o crack e as motos…

                                                          Meninos que vi crescer

Conheço J.P. desde que ele nasceu há vinte seis anos. Moreninho, miúdo, calado, educado… Apesar da vida humilde, nunca lhe faltou o conforto material básico e a presença dos pais, embora ambos trabalhem. J.P. cresceu sadio fisicamente e sem nenhum distúrbio psicológico ou psíquico. Não havia aparentemente nenhum motivo para que ele não fosse feliz e bem sucedido como pessoa ou em qualquer empreitada da vida. Foi pra escola como toda criança na sua idade, no bairro São João, onde nasceu e cresceu, porém não chegou às portas da universidade. Ia todos os dias para a escola, mas nem sempre para a sala de aula. As vezes era retido pelos poucos amigos nas imediações. Notas vermelhas no boletim escolar e repetições de ano letivo, seriam o menor dos seus problemas. Mesmo com pouco estudo ele poderia ser um honrado industriário, comerciário ou motoboy depois que se aposentasse como o pai. O que ele não podia era  experimentar  a erva maldita sentado na calçada debaixo de uma arvore perto da escola. Isso sim mudaria toda sua vida e a dos seus pais. Foi difícil para o sisudo e correto J.M., acostumado a pegar no batente desde tenra idade, abstêmio de qualquer tipo de droga, ver o filho usando maconha. Mais difícil ainda constatar que seu único filho homem não podia sair na rua, pois estava ameaçado de morte por traficantes credores.
Os pais desfiaram a tradicional ladainha de conselhos, buscaram ajuda espiritual, mudaram até de religião, internaram em clinicas, fizeram o que todo pai faria para tirar o filho da droga. Tudo em vão.
Certa vez receberam um telefonema da delegacia de policia de Casa Branca-SP. J.P. havia sido detido na rua, sem lenço, sem documentos, sem rumo e sem um níquel no bolso. Sujo, com fome e maltrapilho, na companhia de um colega de infortúnio. Ele havia sido internado em Jaguariúna, há 150 quilômetros dali, uma semana antes. Fugira da clinica com o colega do triste fado, dois dias depois do internamento.
Nem isso, no entanto, sepultou o desejo de J.P. de fumar a ‘erva santa’. Na mesma velocidade em que ele se acostumava com a vida periclitante de usuário inadimplente, seu organismo também se acostumava com o THC da erva. Um, dois, três baseados já não eram suficientes para trazer a sensação de alegria e paz do inicio. Era preciso uma droga mais forte… e também mais cara. O crack estava do tamanho que J.P. queria e agora podia comprar com seu salário de motoboy. Ao menos não precisava visitar a carteira da mãe ou do pai ou roubar na rua para sustentar o falso prazer. O que não sabia, ou talvez soubesse, mas não resistia, é que a pedra bege fedorenta é muito mais avassaladora, não tem limite de degradação e joga qualquer cristão na sarjeta em pouquíssimo tempo. Aí veio a seqüência de tratamento, se alternando com as recaídas, com os novos empregos, com os empregos perdidos…
Numa destas recaídas, vendo que o filho entregaria a própria motocicleta comprada à prestação em troca de meia dúzia de pedras, tomou-lhe as chaves e vendeu-a. Apesar de insistir em enfiar a bela, saudável e tranqüila vida pelo ralo, os anjos nunca abandonaram J.P.. Depois de cada tratamento para desintoxicação ele consegue novo emprego. A maior prova de que os anjos vivem dando pernadas nos capetas que atormentam o jovem J.P., aconteceu há dois anos. Ele voltava para casa na hora do almoço pilotando sua motoca, quando um motorista mamado bateu em outro e na fuga bateu em sua moto e o lançou no espaço. O menino que vi nascer e crescer sofreu entre outros abalos, traumatismo craniano. Após cirurgia, foram meses de tratamento e recuperação… E J.P. voltou para a vida, para a motoca, para o trabalho e… para o nefasto crack.
Estava trabalhando como motoboy para uma empresa quando a fissura bateu à porta. Saiu para trabalhar na moto da firma e só voltou no outro dia… à pé. A moto ficara com o fornecedor da droga, como garantia da divida. Desandara de vez. Duas semanas mergulhado na nóia, trancado em casa como um prisioneiro ou na rua como um mulambo. Mais um emprego perdido, mais uma internação. Enquanto isso pai e mãe definhando, se escondendo dos vizinhos, mergulhados na vergonha e na angustia, acendendo velas e pedindo aos santos para salvar o filho do vicio tirano…
Mais alguns meses e J.P. volta para casa para recomeçar. Outra vez limpo. Até quando?
Sóbrio J.P. é uma pessoa arredia, porém afetuosa, amável, educada, gentil… Conseguiu novo emprego numa concessionária de motos da Vicente Simões. Trabalhou trinta dias, até que a ‘coceirinha’ começou. Desceu ao velho Aterrado. Bateu em varias portas, mas a secura estava nos bolsos. Já cansado e fissurado, parou numa boca perto da Rua Nova. Toparia qualquer coisa. O traficante também. Afinal J.P. estava montado numa motoca que valia pelo menos quatro mil. E liberou a pedra para o garoto mesmo sem dinheiro. Liberou também para outros nóias que estavam por ali, por conta dele. Passou a noite viajando no rabo do cometa. O menino que vi crescer chegou em casa somente na manha seguinte. Mais uma vez à pé. A moto ficara em poder do traficante na boca de fumo do ‘Texas’. Lá ficaram também a saúde, o emprego, a dignidade e até as roupas de J.P. Ele voltou para casa com uns farrapos que lhe deram em troca das suas. O pai mais uma vez teve que assumir o destempero do filho de 26 anos. Procurou a empresa, narrou a conjuntura, e pediram  apoio à policia civil. No final da tarde de quinta feira um garoto resmungão perto da ‘boca’ da Rua Nova, disse que sabia onde estava a moto e iria buscá-la. Vinte minutos depois encostou a motocicleta numa esquina perto do muquifo onde J.P. passara a noite queimando pedra e saiu correndo. Antes, no entanto, resmungou que ‘cobrariam’ os 290 reais queimados nas ‘marikas’.
Aquela quinta feira fora agitada na Delegacia. Além das diligencias de reconstituição do assassinado do vigilante, fora encontrado o cadáver do operário Runens Vilela no bairro Faisqueira. Os policiais estavam todos empenhados enquanto J.P. aguardava na DP para sentar ao piano. Não estava preso, mas tinha alguma historia para ‘publicar’. Não teve paciência e nem coragem. Dobrou a serra do cajuru sem enriquecer o dossiê dos seus algozes. Mas a batata está assando pra eles…
J.M. o pai que há anos vive o drama de ver o jovem filho dependente químico, entre as drogas, clinicas, novos empregos e os traficantes, com os cabelos branqueando a destempo, à revelia da genética ou da idade, se pergunta; “Onde foi que eu errei”?
E você meu estimado leitor? Onde acha que J.M. e M.I. que deram cama, comida, roupa lavada, convivência harmônica e cabresto curto erraram na criação do filho?
Do ponto de vista espiritual, Brian Weiss diria que J.P. teve pelo menos uma vida anterior onde cometeu erros e portanto terá que carregar o fardo da droga durante esta vida e voltar na próxima para se redimir. Do ponto de vista psicológico, embora seja psiquiatra, Augusto Cury dirá implicitamente em uma dúzia de ‘best selers’ de auto-ajuda sua autoria que casa, comida e roupa lavada não são suficientes para criar filhos saudáveis.
Eu diria que talvez tenha faltado jogar bola no apertado quintal, na sala de visita, andar de bicicleta na rua, nadar juntos no ribeirão, dar comida para os passarinhos, tratar do cão de estimação, sentar para ouvir historias do vovô, contar historias do gatinho malvado, vestir a camisa do pai e arrastar pelo chão, levantar de madrugada para ver o sol nascer, deitar no quintal para ver a lua e contar estrelas e coisas assim… sem receita, que faz um pai ser muito mais do que um provedor. J.P. e tantos jovens que experimentam drogas, talvez não tenha o pai como herói… precisam buscar um na rua… E não faltam traficantes de braços abertos para acolhê-los.
“Abrace seu filho… Não deixe que as drogas o abracem!!!

0 thoughts on “J.P., o crack e as motos…

  1. gostei muito do seu blog

    parabéns , que voce faça muito sucesso com ele

    e tenha momentos gratificantes em sua vida parabéns um abraço gabriel.

    • Obrigado, Gabriel…
      Se o blog atingir seus principais objetivos que são: despertar o interesse das pessoas para a leitura informativa e concientizar as pessoas a não experimentarem drogas, ficarei muito feliz.
      Abraços.

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *