Pipo, o assaltante bonzinho…

Pipo, o assaltante bonzinho está de volta ao Hotel do Juquinha... Por causa de R$10.

Pipo, o assaltante bonzinho está de volta ao Hotel do Juquinha… Por causa de R$10.

Onze da noite abafada de sábado. O garotão F. estava quieto no seu canto esperando o ônibus urbano no terminal rodoviário de Pouso Alegre quando ali chegou um cidadão negro alto, forte e boa prosa e foi logo dizendo:

– Hei garoto, ‘perdeu’… Passa a grana aí! Mas não fique apavorado! Não vou levar seu tênis, nem seu celular e nem vou te machucar… Eu só quero a grana para comprar umas pedras…

Apesar da ‘polidez’ do assaltante, o garoto de 17 anos tremeu na base e foi logo abrindo a carteira e mostrando o que tinha…

– Mas só isso, mano! Só dez ‘real’…? Isso só dá para uma pedra! Não tem mais aí no bolso, não?

Já começando a tremer por não ter dado a alegria esperada ao ladrão, o garoto vasculhou freneticamente os bolsos e conseguiu encontrar o restante do dim-dim que levava: Um real!

Apesar de não estar satisfeito, o assaltante bonzinho cumpriu a promessa. Não tomou nem o tênis e nem o celular do garoto. Porém, como a grana do assalto era insuficiente para aplacar sua fissura de pedra, o assaltante continuou por ali, pelo terminal rodoviário, estudando a próxima vitima. Antes que ele repetisse a mesma proposta indecorosa a outro garoto, os homens da lei chegaram. Ele ainda tentou dobrar a serra do cajuru, mas acabou tropeçando e caindo nas malhas da lei.

O assaltante bonzinho é Luiz Felipe de Souza, meu ‘velho amigo’ “Pipo”. Esse eu vi crescer no “X” 8 do velho Hotel da Silvestre Ferraz. Apesar de ser ‘dimenor’, o Juiz da Vara da Infância e da Juventude cansou-se de ver sua cara de pidoncho no seu gabinete em meados da década passada. Eram tantos os furtos e roubos pés-de-couve que o jeito era tirá-lo de cena. De quando em quando o promotor recomendava e o homem da capa preta mandava Pipo tirar ‘férias’ de 45 dias atrás das grades. E lá estava Pipo com seus grandes olhos de ‘pelamordedeus’ na celinha de quatro por quatro no pateo da cadeia.

Desde aquela época Pipo já era mesmo bonzinho! Em 2006 descobri que eles estavam preparando uma fuga em massa desta mesma cela do pateo. Ao fazer uma vistoria interna, percebei que os seis hospedes da cela haviam retirado todo o concreto que prendia a grade interna da porta de ferro…

– E agora molecada!? O que vou fazer com vocês? Não tenho cela para coloca-los! O jeito é distribuir os presos adultos para as outras celas e desocupar uma pra vocês! Mas já estão todas lotadas, com presos saindo pelo ladrão… Tenho certeza que eles não vão gostar! – argumentei!

E recebi a primeira proposta indecorosa do Pipo…

– Pelamordedeus, não faça isso, não seu Chips… Os caras vão esfolar a gente! ‘Deixa nós’ aqui mesmo! Eu prometo que ninguém foge! Eu não deixo ninguém vazar!

As outras celas com espaço para seis colchões abrigavam entre 16 e 18 presos. Colocar mais dois em cada cela por causa dos menores poderia de fato custar caro aos menores. Aceitei a proposta do Pipo! E eles ficaram lá, por conta dele! Dois dias com a porta precisando apenas de um empurrão par cair! Mas Pipo, o ‘assaltante bonzinho’ cumpriu a promessa. Ninguém vazou até a cela ser consertada!

Luiz Felipe “Pipo” de Souza não saiu da cela praticamente aberta naqueles dois dias. Mas também não conseguiu sair do crime. Chegou aos dezoito anos com o mesmo juízo dos dezesseis. E continuou no crime. Agora tem 25 anos, conhece – por dentro – meia dúzia de penitenciarias do Estado e afundou ainda mais no crime. Depois do assalto de R$11 de sábado à noite, ficou ainda mais difícil escalar as paredes escorregadias e traiçoeiras do poço do crime e voltar à luz de uma vida regrada!

Ele estava em liberdade desde 25 de junho de 2014…

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