O mistério do Corpo Seco – Herói ou Vilão?

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Na minha florida e doce infância, o mistério dos fantasmas, das casas mal-assombradas, da mula-sem-cabeça, do lobisomem, do “Cavaleiro Fantasma da Rua São Pedro”, que toda madrugada baldeava os restos mortais do cemitério do Alto da Cruzes para o cemitério das Taipas e outras historias de arrepiar, ocupavam nossa imaginação e freavam nosso comportamento.

Eu tinha mais medo de cachorro louco, vaca brava, lobos, onças – bichos que eu podia ver, mas era muito pequeno para encarar – muito comum nas estradinhas vermelhas que cortavam as matas escuras da Grota Funda. No entanto, a historia do famoso Corpo Seco que morava a alguns quarteirões da minha casa despertou minha curiosidade e resolvi investigar.  Fui chegando de mansinho, de baixo para cima, pelo bairro da saúde. Afinal, se fosse necessário bater em retirada, era muito mais fácil correr morro abaixo… Pois é, mas não foi desta vez, em setembro de 69 que me aproximei do Corpo Seco.

1925 00 4010038        Dois anos antes, quando vim a Pouso Alegre pela primeira vez, passei quase no quintal do Corpo Seco. Eu viera com meu pai visitar minha sétima irmã, internada no Samuel Libanio com anemia. Saímos do bairro dos Coutinhos numa madrugada de lua cheia, antes de o galo cantar. Seguimos pela estrada morna, a pé, dez quilômetros. Como não conseguia acompanhar seus passos, vim trotando atrás dele. De vez em quando ele parava para que eu pudesse alcançá-lo. Na avenida Alberto Paciulli, entre a residência do “Tio Nerso” Martelo e a oficina do Marquinho Funileiro – que nem tinha nascido ainda e hoje já morreu – já com a madrugada agonizando, deparamos com uma cena inusitada. No meio da estrada, debaixo de uma frondosa figueira, a antiga, mãe da jovem que está hoje no mesmo lugar… um despacho de macumba. Uma galinha preta estendida no meio de um circulo de velas coloridas, ao lado de uma garrafa de “Tatuzinho” – coincidência ou ironia, o alambique que produzia esta perfumada cachacinha famosa nos anos 60 e 70 faliu há muito tempo – e uma caixa de fósforo ‘Argus’. O despacho não deve ter sido bem sucedido, pois as velas estavam parcialmente queimadas e embora o fósforo estivesse à mão, nenhum espírito apareceu para reacendê-las.

1925 00 P1010080       Duzentos metros adiante, quando o dia começava mover as pálpebras, com o ar ainda turvo, no final do morrinho, finalmente avistamos sinais de urbanização. Meu pai parou bem no espigãonzinho para me esperar. Quando me aproximei arfante, ele olhou para a direita, apontou com a cabeça e disse:

– Ali mora o Corpo Seco…

Há pouco mais de trinta metros no espigão do pasto, estava a grande e sombria casa branca de janela e contornos azuis. O alpendre imenso escondia sombras da lua já bocejante para os lados de Congonhal, tornando o casarão ainda mais fantasmagórico.

Nas ‘rodinhas de contar causos’ lá na minha terra, eu já ouvira falar no temível endiabrado que batia na mãe. E sempre que ouvia arrepiava os pelos de medo… Mas naquele momento senti apenas curiosidade. Eu estava há poucos metros da casa do Agostinho Corpo Seco, mas não precisava temer; meu pai certamente era muito maior, mais musculoso, mais valente e mais forte do que ele…

Para continuar a ler essa historia, acesse: [email protected]

 

*Dedico essa historia a todos os leitores do Blog, especialmente aos amigos que contavam causos de assombração em volta da fogueira, na esquina da rua São João em 1970, muitos dos quais já se juntaram ao Agostinho Corpo Seco no outro lado da vida.

        Airton Chips

0 thoughts on “O mistério do Corpo Seco – Herói ou Vilão?

    • Eu fui criada na rua Tupinambás, cresci ouvindo as histórias do “Corpo seco”. Confesso que até hoje sinto medos de tantas histórias de assombrações que contavam no passado.
      Sinto saudades enorme do Artur, que tinha carinho por todos, apesar de inúmeras vezes presenciar crianças e ou adultos tratarem com falta de respeito. Sou moradora da Tupinambás identifiquei e muito com esse texto.
      Parabéns!!!! Acabei de fazer uma fantástica viagem e deu para recordar fortes emoções do passado.

      Abraços Beatriz

  1. Parabéns pela História. Como dizia o cantor e poeta Hique Gomez … ” Todo povo que soube valorizar sua história, viu sua cultura florescer com força”.
    Um Feliz ano novo à todos! Que 2013 seja repleto de realizações!

  2. Sensacional!!!Como leitor assíduo deste blog tenho que parabenizá-lo e agradece-lo pelo talento com as palavras..sucesso,um forte abraço e feliz 2013.

  3. Parabéns !!! Nossa , hoje voltei ao passado com essa história ainda tão viva , quanto nos tempos de hoje . Saudades de tudo que já se foi ..até dos bons tempos …

  4. Realmente bateu uma nostalgia. Lembro como se fosse hoje quando vinha a passeio para Pouso Alegre do Rio de Janeiro. Lembro que meus primos, filhos do Waldemar barbeiro, ali da praçinha do Santo Antonio dizia que ele morava onde hoje é a Guarda Municipal e minha irmã ate adoecia de medo quando se falava dele. E o Artur, que chamavamos de bigorna, batia o pé e falava ” ELEPE ” ameaçava jogar guspi na gente. Ele era pacato, mas como eramos criança nao deixavamos de dar aquela mexidinha pra irritar o pobre homem. Foi muito bom relembrar esses tempos em que morava no Santo Antonio, iamos no Ribeirao das Mortes pegar peixes com peneirão e depois fritar no buracão que devido ao crescimento da população acho que quase nao existe mais.

    Muito Obrigado pela sessão nostalgia e um Feliz 2013 pra vc e todos os leitores do Blog.

    Um forte abraço.

    • Olá Alex,
      Suas referencias estão corretas. Tive que omitir alguns detalhes, inclusive o nome do moço, por questões eticas e respeito aos familiares.
      O velho ribeirão das mortes! Que saudades!!! Me afoguei ali a primeira vez e ali aprendi nadar!!! O grande poço que ficava lá no meio do pasto desapareceu… Hoje é o bairro Recanto das Andorinhas.
      O velho buracão está quase do mesmo jeito, quase todo cercado por loteamentos. Só que hoje parece bem menor e menos sinistro. Passei muitas vezes na sua borda indo nadar, mas nunca tive coragem de descer nele… Boas lembranças.
      Obrigado Alex, um 2013 de muita saude, paz e Deus na sua vida.
      Abraços.

      • Acho que lembro tambem de um conto diz que o buracão foi formado pelo sangue de um padre ou religioso, nao me lembro bem, que tomou uma estilingada e morreu no inicio do buracão, no final da rua do posto de saude do santo antonio e por onde correu seu sangue formou o buracão. Vc chegou a ouvir falar nisso ?

        • Pra voce ver como são os boatos e lendas, Alex!!! O buracão começa bem mais à frente, no bairro Esplanada e a estoria do padre existe sim, mas por outro motivo… Conta-se que o padre foi assassinado porque ‘pulava cerca’ e seu corpo foi arrastado naquele local, causando assim o buracão.
          Na realidade trata-se do simples fenomeno da erosão natural de um terreno arenoso…
          Abraços.

  5. muito bom k ra,de verdade viagei na historia,mais queria ver uma foto desse tal de corpo se……valeu parabens airton…..

  6. Ótima história!!..E como sempre muito bem contada. Parabéns!!..Feliz 2013!!

    E ao contrário do amigo aí, não faço a menor questão de ver a foto não…

    Sdçs!

  7. Incrível história Chips, você está de parabéns pelo Blog, não só por está matéria, mas sim por todas que você publicou durante o ano de 2012, sou um grande fã da sua escrita e espero que em 2013 venham histórias ainda melhores para você publicar por aqui… Fiquei feliz de ver o nome do meu Bisavô e ver que ele contribui com seu crescimento lhe vendendo a bicicleta em “prestações”…”…Eu as trazia amarradas numa trouxa na garupa da minha bicicleta vermelha comprada a prestação na loja do Santos Patrício…”.

    Forte Abraço e Feliz 2013 para você Chips, manda uma abraço pros filhos também, pois os tenho como grandes amigos…

    Matheus Paiva

  8. Qdo criança morava lé em Esp. Santo do Dourado. Lá eles comentam tbm que nos nos campos tinha um corpo seco. Um hoem mal que colocou o arreio na mãe dele amontou com espora e chicote, deu uma volta. Dizem que, ele tbm virou corpo seco e fica por aqueles matos lá no campo.

  9. Chips, sou leitor assíduo do seu blog e da folha de p. alegre. Morei na Cel. Otavio Meyer, embaixo da casa do mecanico Teobaldo e lembro bem dessa estória. Com certeza essa é uma das melhores que vc escreveu! Parabens e feliz 2013!!!
    Prof. Lucas Sobreiro

  10. Parabéns pelo relato, está história fez parte da minha infância!
    Mas estou com uma dúvida, o nome do tal corpo seco é Agostinho ou Custodinho? Sempre ouvi o nome Custodinho Corpo Seco.
    Abraço!

    • MTO LEGAL ! VALEU PELA HISTORIA CHIPS ! TORCI PRA QUE FOSSE ESSA E ACERTEI !
      UM FUNCIONARIO DO COLEGIO SAO JOSE ME CONTAVA ESSA HISTORIA DO ” CUSTODINHO” CORPO SECO …
      MTA BOA A HISTORIA !!! VALEU ABC FELIZ 2013 !!!
      So uma errata tecnica , as doencas citadas n seriam tratadas nos dias atuais com anti inflamatorios como foi mencionado …

    • Olá JR,
      Voce está certo quanto ao nome do moço. Embora se trate da historia de um personagem popular, troquei seu nome e andei omitindo alguns fatos que tinha conhecimento, para evitar aborrecimentos com os familiares do dito cujo. Conheci alguns irmãos e conheço alguns sobrinhos do Corpo Seco, inclusive alguns, com os quais pude conversar abertamente sobre ele em busca de informações. No entanto, nem todos tem o mesmo desprendimento para falar do assunto.
      Abraços.

  11. Parabéns pela matéria!

    Muito bom conhecer a fundo esse personagem que fez parte da história de Pouso Alegre, e que serviu para me amedrontar e disciplinar na infância.

    Desrespeitar meus pais? Jamais! Não quero virar o Corpo Seco…

    Abraço!

  12. Muito boa história e muito bem contada…por meio dela conseguimos visualizar em nossas mentes como era Pouso Alegre no passado…meu avô, o Sebastião Mendes, me contava essa história…parabéns!!!Valeu a espera…

  13. Pra começar um abençoado 2013 a você e toda família. Chips fantástica a história do corpo seco, fui criada na rua Monsenhor e sempre ouvi falar dele e morria de medo igual muitas crianças falavam que ele morava na quela casa onde hoje é a gurda municipal nem pagando eu passava perto rsrs. Chips outra figura que me lembrei muito foi do Artú, nooossa que bons tempos aquele me lembro quando ele passando pela rua falávamos com ele apesar do medo e ele colocava a linguá bem próximo da boca era muito engraçado. Parábéns pelo blog, pelas histórias muito bom.

  14. Fantástica matéria! Minha mãe me contava esta estória quando eu era pequena e esta semana eu a contei para minha filha! Adorei! Parabéns! Abraços!

  15. Olá!! Não conhecia seu blog….muito bom seu trabalho!!! estou amando conhecer as histórias!!! Muito esclarecedora a do Corpo Seco…Minha avó morava no Yara, e passavamos muito tempo em sua casa, para sossegar a criançada, era contada a história do Custodinho sempre!!!! E nós morríamos de medo, lógicooo!!Rsrsrsrrs…… Obrigada pela oportunidade e pelo blog!! To devorando as histórias e viajando tambémmmm!!! Muito boooommm!!! Um grande abraço!!

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