A saga dos irmãos Reanir… O assassinato do policial Cabeçada

MENINOS QUE VI CRESCER

Eram cerca de cinco e meia da tarde do dia 26 de novembro de 1984. Na inspetoria de detetives existia apenas uma maquina de escrever Remington usada para preenchimento de ficha manual de suspeitos e outra Olivetti Línea 88 – moderníssima para a época – para fazer relatórios policiais. Por isso, o ponto de encontro habitual dos detetives era no saguão da delegacia. Ali, no final da tarde se jogava conversa fora, comentava-se os fatos do dia, falava-se das investigações em andamento, contava-se historias engraçadas e se apelidavam as pessoas – Foi numa dessas ocasiões, no carnaval de 81 que o bonachão escrivão Afonso Edson apontou para mim e disse; “Chips”! Nunca mais me chamaram pelo nome…!

Marcos Alves da Silva, 23 anos, natural de Juiz de Fora estava ali, alegre e descontraído conversando amenidades. Relembrava fatos da Academia de Policia, pela qual passara a pouco mais de um ano, falava de sua cidade natal, dos seus primeiros meses de trabalho, do filho recém nascido… Eram suas ultimas horas de férias. Havia se mudado para Pouso Alegre e às oito da manha do dia seguinte começaria uma nova etapa de sua vida. Iria substituir “Zé Veio”, o lendário carcereiro do Velho Hotel da Silvestre Ferraz. Nós nos conhecemos em Ouro Fino, quando fugimos com “Monteiro e os quase 40 ladrões do Bagdá” para interrogá-lo. A participação de Marcos e sua matilha de Dobermann no interrogatório fora fundamental para a confissão do meliante. Como eu, ele já tinha também seu apelido. Certa noite ao receber um preso embriagado para recolher ao xadrez, ouviu dele um sonoro e gratuito palavrão. Marcos aproximou-se a poucos centímetros do preso, olhou-o nos olhos e disse:

– Repita!

O mamado e abusado preso repetiu o palavrão quase cuspindo na sua cara…  Mal havia fechado a boca, recebeu uma cabeçada na testa e caiu de costas no chão! Naquele momento o jovem policial foi rebatizado de “Marcos Cabeçada”!

Naqueles dias João Batista Alvarenga, o Alvarenguinha “Dez p’ras Duas” e Claudemir Jose Dorigatti estavam investigando uma serie de furtos ocorridos em sítios no bairro Curralinho. Levantaram que um dos envolvidos era Francisco ou Antonio Reanir de Lima, morador da várzea direita do velho Aterrado, mais ou menos atrás da chácara do João Cavalo. Vivíamos ainda sob a égide da Constituição de 67 e ela não exigia mandado de prisão para prender suspeitos. Na manha seguinte, Alvarenguinha e Dorigatti, dois policiais com pouco mais de um ano de serviço, iriam “dar o pulão” no suspeito Reanir de Lima. Precisavam de mais alguém para a “operação café da manhã”. Cabeçada, sempre disposto e prestativo, como a maioria dos novos policiais, se ofereceu para participar da diligencia.

Feliz por realizar um trabalho de detetive embora fosse carcereiro, feliz pelo filho recém nascido, feliz por trabalhar na Regional, Marcos Cabeçada se despediu dos colegas e foi embora. Fomos juntos. Ele jogava de lateral no meu time e morava em um porão em frente minha casa, no bairro da Saúde. Não tínhamos carro. Fomos à pé. Eu também tinha dois filhos ainda em fraldas e seguimos conversando sobre crianças, sobre futebol, sobre policia, sobre sonhos… Nenhum de nós imaginava que na manha seguinte seus sonhos seriam ceifados e meus pesadelos começariam…irmãos reanir

O sol mal havia colocado os bigodes para fora quando a Brasília verde, mais manjada do que a velha ‘patrulheira’ preto & branco, parou na frente da casa dos irmãos Reanir de Lima. Antes que os três policiais cercassem a casa grande, branca, ultima da ruela cercada de capituva, viram um deles sair do banheiro externo e outro entrar. Ao ver os policiais saltando da Brasília, tentaram vazar… Francisco pulou uma cerca de taquara rachada e Cabeçada pulou atrás. Enquanto Alvarenga e Doriggati detinham um dos irmãos na mira do trezoitão, Cabeçada seguia o rastro de Francisco pelas trilhas de carroça que saíam das olarias e margeavam o velho aterrado. Ouviram sons de tiros! Um, dois, três, seis tiros! Seguidos de um silencio sepulcral.

O que teria acontecido?

Teria cabeçada atirado para assustar o perseguido?

Teria ele trocado tiros com o ladrão de sitios?

Teria ele sido alvejado pelo meliante?

Alguém estaria ferido?

Esperaram mais um minuto ou dois, na expectativa de ver Cabeçada surgir na curva da trilha de carroça trazendo Francisco numa chave de braço, ou sozinho de braços abanando, mas… nada! Ele não surgiu. Não havia mais nada a fazer ali.

A operação fora um fracasso. Operações deste tipo, num local descampado daquele teria que ser feita com no mínimo duas viaturas e seis policiais. Eles pensavam que estavam procurando um larapio, já haviam esbarrado em dois e nem sabiam que eram três…! O clima estava tenso.

Decidiram ir atrás de Cabeçada. Voltaram pela ruela pela qual tinham chegado, viraram a esquerda para sair no trilho e quando viraram atrás de uma cerca de taquara que ligava à rua Benedito Olimpio, viram a cena de gelar a espinha… Havia um corpo banhado em sangue, estendido numa poça de lama.

De quem era o corpo?

Era do carcereiro Cabeçada!!! Meu vizinho da Evaristo Valdetario. Lateral direito do E.C. Canarinho!

Ele tinha um tiro no peito e cinco no rosto. Todos à queima-roupa. Um deles no olho, queimando a sobrancelha! Todos os tiros saíram da sua própria arma, levada pelo assassino. Quando Marcos pulou a cerca e saiu correndo atrás de Francisco pela trilha de carroça não viu que seu irmão Antonio Reanir havia saído segundos antes e seguia na frente. Quando ele chegou à esquina da cerca de taquara, já com as mãos tocando Francisco, Antonio saiu de trás e acertou-lhe uma paulada. A luta durou poucos segundos e o trezoitão do policial trocou de mãos. Os irmãos Reanir de Lima não queriam apenas fugir… Queriam fugir sem ninguém nos seus calcanhares!

Ao chegar à velha delegacia, cinco minutos adiantado como de habito, o sub-ínspetor Ângelo, que costumava abrir a delegacia às sete da manhã e esperar os colegas com seu inseparável cigarro Continental fumegando entre os dedos, nos esperava na porta. Desta vez não tinha cigarro. O maduro e experimentado policial que começara a carreira trabalhando nas madrugadas mornas de Belo Horizonte, com a voz embargada de emoção disse apenas:

– Mataram o Cabeçada…

Na velocidade das balas que penetraram seu crânio, meu pensamento voltou à tarde anterior, no sorriso alegre e feliz com os colegas ao retornar das férias. Na conversa descontraída que tivemos a caminho de casa… Imaginei Cabeçada sendo pego de surpresa ou entrincheirado atrás de uma moita qualquer trocando tiros com os bandidos e sendo baleado. Não perguntei nada. Ângelo também não teria voz para responder!

Os colegas que haviam sido avisados já estavam varrendo o Aterrado. Eu fui com outra equipe logo em seguida. Mas não havia nada mais a ser feito. Depois de matar o policial com a própria arma, os irmãos suverteram na terra. Informações desencontradas davam conta de que eles haviam fugido em um opala velho roubado de um passante. Outros diziam que eles haviam embarcado em uma canoa perto da ponte e descido o Mandu…

Aquele 27 de novembro foi dia de regime forçado para todos os policiais da 13ª DRSP. Ninguém almoçou ou jantou. A fome e a sede eram grandes, mas era de revolta e de vingança! De caça. Onde surgia uma informação, um boato, um trote, havia uma equipe da policia civil para averiguar. Tudo em vão. A caçada terminou no inicio da madrugada, na estradinha que liga o Clube de Campo Fernão Dias ao Distrito Industrial, na borda da mata da fazenda do Chiquinho de Freitas. As informações mais quentes diziam que os irmãos haviam subido o Sapucaí Mirim, saltado na margem esquerda e se embrenhado na mata acima da fazenda. Com cães, lanternas e trabucos varremos cada centímetro da mata até chegar à estrada onde outra equipe estava de tocaia, esperando a caça sair… Se tivéssemos encontrado os irmãos naquele dia, naquela noite, o medico legista Jose Ricardo M. Bernardes teria feito a necropsia mais complicada de sua carreira! Seria impossível lembrar o rosto ossudo e maçãs salientes do amigo Cabeçada perfurado… e segurar as emoções! Por muito menos do que isso, anos depois, uma patrulha da policia militar subiu a serra de Bom Repouso e metralhou dois fugitivos – Celso e o dia que fumei maconha – de Cambuí que haviam passado uma faca na garganta de um soldado durante a fuga. O auxiliar de necropsia Romeu Norte Pereira disse que parou de contar os buracos de bala quando chegou em cem…

Por um bom tempo algumas pessoas acreditavam que nós havíamos encontrado os irmãos na mata e os deixado lá… para alimentar os vermes!

Naquela poça de lama na esquina da ruela,

Para continuar a ler essa historia, acesse “meninosquevicrescer.com.br”…

 

 

 

15 thoughts on “A saga dos irmãos Reanir… O assassinato do policial Cabeçada

    • Olá Valdevi…
      O mais alto é o Messias Formigão, o do meio é Antonio Reanir de Lima ( tinha apenas metade do pé direito ) o mais baixinho, embora pareça mais novo é o mair velho do trio. Tem mais de 100 anos de cadeia para cumprir. Esteve menos de dois anos preso. Está foragido.
      Abraços.

    • Olá Railson,
      Não consta nos autos da policia civil que Evanil tenha alguma ligação com os crimes dos irmãos mais velhos.
      A menção ao nome de Evanil na referida materia é pelos simples fato de ele ser irmão de Chico e Antonio e ter também um debito com a justiça.
      Abraços.

  1. O engraçado é que você fala que a morte do policial foi injustiça,mas não seria se vocês tivesse mandado bala em quem abrisse a porta do carro,ainda bem que isso não aconteceu se não estaria sem pagar por isso até hoje,por que policia pode matar,mais não pode morrer,achei que isso era só agora que acontecia,mais pelo jeito já faz tempo em!

    • Não, Railson…
      Policia não pode matar. Policia que mata tem que ser responsabilizado pelo crime como qualquer mortal.
      Bandido que mata qualquer pessoa, seja policial ou não, também deve ser penalizado de acordo com a lei penal.
      Naquela manhazinha de 27 de novembro, o policial estava cumprindo seu dever de prender o bandido. Ele correu mais de cem metros com o revolver apontado para seu tio, mas não atirou nele. Eles conseguiram dominá-lo e não precisavam tê-lo matado… Essa foi a diferença!
      Abraços.

      • Duvido que ele tava na mira do seu amigo,ele teria coragem de correr atrás dele sozinho e não de atirar? Não sei se precisava,mas toda reação tem uma ação!

  2. Ai chips não da ibope para essa cara ai não , e o seguinte ele esta se queimando pq meu pai tratou de 10 filhos e nunca pegou uma laranja sem ser dele … é para ser direto bamdido bom é bamdido M…. , parabéns pela materia .

  3. Interessante ler essa caso, apesar de ser trágico. Esses dois irmãos são meus tios, irmãos do meu pai, quando era mais novo nem imaginava que ambos eram psicopatas, hoje em dia que estou mais velho meu pai me conta as histórias deles, meu pai tinha me contado essa, e muitas outras, é interessante ver o ponto de vista de quem vivenciou essa cena pessoalmente. Parabéns Airton

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