174 anos de historias e saudade!

Ribeirões da minha infância…     

Pouso Alegre está completando 174 anos de emancipação… e outros tantos de existência ‘informal’! Sim, há duzentos anos, Pouso Alegre com o nome de Bom Jesus do Matozinhos, já travava uma batalha santa com o município vizinho de Santana do Sapucaí por causa da imagem ‘emprestada’ do santo padroeiro. Batalha esta que batizou o bairro “Ribeirão das Mortes”. Mas esta é apenas uma das histórias da pujante Pouso Alegre que me abraçou ainda pequenino e me embalou durante 51 anos.

Neste 19 de outubro, tão comemorado, resolvi homenagear minha cidade relendo as histórias que contei nos últimos 10 anos, no ‘Blog do Airton Chips’ e nos livros: “Meninos que vi crescer” e “Quem matou  suicida”.

São tantas:

“Vila São Vicente de Paula” e o Asilo N.S.Auxiliadora …

“Maria Fumaça da minha infância”…

“Pouso Alegre, meio século… De aventuras e histórias”!

“O ‘velho Aterrado… E eu”!

“A verdadeira história do beco do crime”…

“Anos 70… A década de ouro da humanidade”

“O mistério do corpo seco”

“Assim nasceu o ribeirão das mortes”…

“Ribeirões da minha infância”

“A rotina do rabo verde”

“A lenda do Zorro da Zona Boêmia”

“ Os fantasmas do velho hotel da Silvestre Ferraz”…

Para assanhar o leitor, vou reproduzir abaixo parte da história “RIBEIRÕES DA MINHA INFÂNCIA”, publicada no livro “Quem matou o suicida”:

 

“Ribeirão Primavera

‘Em cinquenta anos, caudalosos ribeirões que formavam poços e espraiados e ofereciam peixes e diversões… desapareceram! Hoje correm invisíveis, tímidos, minguados e sujos, dentro de manilhas, por baixo de ruas e avenidas. Nossos netos jamais saberão que um dia nós pescamos e nadamos em suas águas límpidas’!

A transformação geofísica e geopolítica de Pouso Alegre nos últimos cinquenta anos salta aos olhos das pessoas que nasceram ou moraram na cidade neste período. De 1970 até os dias atuais a população passou de 40 mil para mais de 150 mil habitantes. Para abrigar tanta gente, embora a cidade tenha se expandido para o alto, com dezenas de prédios acima de dez andares, a grande expansão se deu na horizontal. Por isso pastos e fazendas se tornaram bairros, ruas, avenidas e praças. A maior ocupação se deu na direção sul da cidade, nas terras planas ou onduladas da ‘baixada do Rio Mandu’ – por sinal pouco regada de cursos d’água. O crescimento da região norte, embora tenha avançado menos por causa do humor do relevo, sepultou várias nascentes e ribeirões.

Quem nasceu da virada do século para cá não nadou, não viu e nem sonha com os ribeirões que cortavam os bairros São João, Colinas de Santa Bárbara, Saúde, Primavera, Cascalho, Fátima. Nos últimos anos o único ‘ribeirão’ que corta a cidade é o formado pelas aguas pluviais que caem na bacia do bairro Primavera e inunda as ruas Bom Jesus, Mons. Dutra e Com. José Garcia. O alagamento do local talvez seja uma vingança dos ribeirões Primavera e Cascalho pela usurpação do seu leito natural. No início do século passado podia-se pescar bagres e lambaris nos poços ali existentes.

O ribeirão Primavera nascia, como é da natureza dos ribeirões, na parte alta do bairro ainda pouco habitado, entre os bairros Santo Antônio, Esplanada e João Paulo II. Em 1970 começou a ser canalizado no início da Avenida São Francisco, avenida que, aliás, tinha apenas um quarteirão: a larga e vistosa avenida que hoje passa pela porta da Câmara Municipal, começava na Rua Olegário Maciel e terminava na rua São Pedro.

Era justamente ali na esquina, na fazenda do Luiz Reis ao pé do “Calipal do Bispo”, hoje bairro João Paulo II, que o ribeirão Primavera mostrava sua maior utilidade: refrescar a garotada que não podia frequentar os clubes, ou que moravam longe dos rios Mandu e Sapucaí Mirim. Para tal não era necessário buscar os poços que desciam a restinga de mato desde o Esplanada – até porque, os poços ficavam na restinga quase virgem que separava os bairros. Bastava ser um ‘bom menino’ para frequentar a piscina do ‘seu’ Luiz Reis. A piscina de pouco mais de doze metros quadrados por setenta centímetros de profundidade, feita de tijolos e rebocada de massa grossa sem azulejos, servia a todos os garotos da região. Era só chegar à beira da porteira na entrada da chácara e pedir ao ‘seu’ Luiz Reis. Ele fazia duas ou três perguntas e deixava o garoto nadar… Mas ficava de olho! Com seu chapéu de palha e óculos escuros, ‘seu’ Luiz ficava o tempo todo sentado na sombra da varanda a poucos metros da piscina, com uma chibatinha de couro na mão, vigiando a garotada nadar. Se um moleque fizesse alguma traquinagem, de lá mesmo ele brandia a chibatinha e corrigia o garoto. Caso o infante ‘sócio do clube’ repetisse a estripulia, seu Luiz se levantava, aproximava da piscina e o mandava sair. Se o garoto saísse sem discussão, no dia seguinte podia voltar e, depois de ouvir um breve sermão antes de passar a porteira, podia nadar de novo. Nunca foi necessário usar a chibatinha de couro trançado…

O bairro Primavera dos anos 1970 cresceu. As ruas Mons. Dutra, Professor Queirós Filho, Manoel Matias e São Francisco, que já existiam naquela época até a Rua São Pedro, rasgaram os pastos à sua frente e subiram para os bairros Santo Antônio, Boa Vista, Esplanada. Já não se vê um metro de terra ali que não esteja urbanizado.

O que restou do ribeirão Primavera virou duas minas de águas potáveis, uma, a Mina do João Paulo II e a outra, a Mina da Câmara, servida em três bicas na beira da Avenida São Francisco, na esquina de baixo da Casa de Leis. Ali, centenas de pessoas enchem seus galões com água fresca e cristalina todos os dias. O Ribeirão Primavera da minha infância, que corria por dentro da piscina do ‘seu’ Luiz Reis, mudou de endereço… Hoje mora nos recantos da memória, na fronteira do bucolismo com a saudade…

Há meio século havia ainda outros ribeirões deslizando ora alegres e sorridentes, ora sombrios e sorrateiros pelas baixadas e restingas urbanas de Pouso Alegre, tais como:

Ribeirão Cascalho

Ribeirão Saúde

Ribeirão São João

Ribeirão Santa Bárbara

Ribeirão Fátima

Ribeirão das Mortes… nosso clube popular.

Que pena que os ‘ribeirões da minha infância’ não esperaram para serem apresentados aos meus filhos e netos”…

O estupro de Beto Cowboy

Apagado o fogo da paixão, ele foi embora… Mas deixou um coração ferido para trás!

Hotel “Recanto das Margaridas”, em Santa Rita do Sapucaí.

Beto Cowboy era um sujeito alto, forte, brejeiro… e bonito! Era de pouca prosa, muito sério, mas tinha um semblante agradável. Tinha no olhar e no comportamento um certo mistério! Era o típico sujeito capaz de despertar emoções nos corações femininos. Por onde passava, sempre despertava desejos e paixões. Radicado no Vale do Paraíba, trabalhava no pequeno circo de rodeios rodando a região. Era um dos peões mais solicitados da companhia. Depois de cada apresentação noturna saia pela cidade, para abraçar umas loiras… e às vezes uma morena! Não raro amanhecia nos braços de uma das suas fãs!

Mariana, vinte e poucos anos, era uma mulher bonita, fogosa, carinhosa, sonhadora, dona do próprio nariz embora a vida não fosse um mar de rosas. Apesar de madura, tinha um espírito aventureiro e acreditava em príncipe encantado.

Certo dia o príncipe apareceu na cidade … Em um circo de rodeios! Sem pensar muito nas consequências Mariana se deixou levar pelos encantos de Beto Cowboy. Amanheceram debaixo do mesmo lençol. No dia seguinte, após meia dúzia de juras de amor eterno e promessas de que voltaria para ela, Beto Cowboy baixou lona e pegou a estrada. As juras? Ah, as juras foram sopradas pelo vento e se perderam ao longo do tempo.

A noite de amor de Beto Cowboy & Mariana, no entanto, ainda que tardio, deu fruto. Chegou nove meses depois… Uma bela menina mais linda do que a mãe.

O mundo e o circo têm duas coisas em comum: ambos são redondos e dão muitas ‘voltas’!

Quinze anos depois, numa dessas voltas que o mundo dá, e o circo também, Beto Cowboy levantou lona outra vez em Santa Rita do Sapucaí! Ao saber que tinha uma filha adolescente, quis conhecê-la. A emoção de conhecer um ‘pedacinho’ seu, abalou seus alicerces. Mais maduro e calejado, o peão pensou em abandonar o picadeiro e criar raízes na cidade.

A ferida no peito de Mariana havia cicatrizado. A presença do príncipe, agora mais maduro, mais discreto e mais charmoso, reacendeu a antiga paixão. Dois dias depois o circo baixou lona outra vez e partiu. Desta vez levava um peão a menos. Beto Cowboy ficou nos braços de Mariana. Juntaram os cobertores.

Beto Cowboy não teve dificuldades para arrumar meios de subsistência. Homem forte, saudável, desincumbia-se de qualquer tarefa que não exigisse diploma técnico ou universitário. Parecia que depois de anos e anos de vida (errante), sem nem um passarinho para tratar, finalmente ele iria criar raízes – em Santa Rita do Sapucaí.

As atividades do dia a dia, embora fossem dignas, prazerosas e rendessem o pão na mesa… não rendiam aplausos. Beto Cowboy começou a ficar acabrunhado. Mariana lhe dava tudo que uma mulher bonita e fogosa poderia lhe dar. No entanto, a rotina não anda junto com a fantasia, com a poesia… Sem poesia a vida a dois perde um pouco do brilho, vai ficando opaca. Além do mais, o artista não vive sem aplausos!

Beto Cowboy juntou a tralha.

As discussões foram curtas e breves… Houve choros e juras de amor… Mas nada amoleceu o coração cigano do cowboy. E ele pegou a estrada…

Não houve atritos, não houve pé-na-porta, não houve barraco… Mas Mariana ficou muito ferida!

Beto Cowboy saiu da vida de Mariana… mas não saiu do seu coração! Coração ferido… de mulher abandonada! Duas vezes abandonada…

O tempo, remédio para todos os males, passou. Parecia ter curado as feridas…

O grande e histórico Rio Paraíba do Sul continuou descendo, ora lento, ora rápido em direção ao mar.

Certo dia o circo recebeu três carrancudos clientes muito antes da hora do show. Queriam conhecer Beto Cowboy. Quando ele se identificou, um dos visitantes sacou da algibeira um papel timbrado: era uma ‘carta branca’ do ‘homem da capa preta’ da Comarca de Santa Rita do Sapucaí! Após ler parcimoniosamente o “mandamus”, o homem da lei estendeu um par de pulseiras de pratas e disse aquelas duas palavrinhas que fazem gelar a espinha de qualquer cidadão:

– “Teje Preso”

– Preso?! Mas por quê? – quis saber o patrão do peão.

– Estupro da própria filha. É o que está aqui no Mandado – informou o policial.

No crepúsculo daquele mesmo dia Beto Cowboy foi conhecer, por dentro, o “Hotel Recanto das Margaridas”!

A recepção não foi das melhores…

Pela ‘lei social’ – leia-se Código Penal – o crime de estupro custa ao estuprador de 6 a 10 anos de liberdade… ou de estadia gratuita no hotel do contribuinte. Pela lei dos ‘manos’, ou dos ‘irmãos de caminhada’, a pena pode custar mais. Além da segregação imediata do convívio com os demais presos, pode custar um braço, uma perna, algumas costelas e, na maioria das vezes, custa a vida!

Quando chegamos para dar apoio ao ‘banho de sol’ naquela segunda-feira, o carcereiro me disse que havia um preso no ‘seguro’, com algumas costelas quebradas. Era Beto Cowboy! A pancadaria havia acontecido na virada da noite se sexta-feira. Tão logo o novo hospede fez o ‘check in’ no famoso hotel – Presidio Modelo do Sul de Minas – inaugurado em abril de 99, as ‘terezas’ começaram a circular pelos sombrios corredores, levando e trazendo ‘pipas’… Em poucos minutos a cadeia toda sabia que o tal cowboy havia assinado um 213, crime que, segundo a lei do cárcere, exige justiça sumária.

Nas primeiras horas da noite os ‘justiceiros de garotinhas’ estupradas apenas espalharam o terror.

Quando as luzes da meia noite se apagaram, Beto Cowboy entrou no borralho! Teve sorte… foram apenas algumas costelas quebradas e um deslocamento de clavícula! O mais difícil foi aguentar essas dores durante mais de 48 horas no chão frio e escuro do ‘seguro’… sem uma novalgina sequer!

A clavícula, eu e a doutora Tatiana, usando um lençol, puxando cada um de um lado e um forte tranco, colocamos no lugar. E Beto Cowboy voltou sem dores físicas para o famoso hotel.

As fraturas cicatrizaram com carinhos e afagos de uma ‘enfermeira’ pra lá de especial!

Dois dias depois conheci Mariana. No início da tarde, quando cheguei para o apoio e triagem às visitas de presos, Mariana estava lá… Era a primeira da fila! Não parecia ter mágoa do estuprador. Pelo contrário… Parecia ter saudade, muita saudade! Nas semanas seguintes Mariana foi sempre a primeira da fila para visitar o… “estuprador de estimação”!

O detalhe dessa história é que… Beto Cowboy NÃO cometeu estupro contra a filha!

Acusá-lo de ter estuprado a filha, foi a maneira que Mariana encontrou para se vingar pelo segundo abandono ou… para trazer Beto Cowboy para perto dela!

“… O hospede do quarto zero”

Passava da meia noite quando o hospede do quarto ‘zero’ despertou. Estava deitado de lado na cama. A primeira coisa que viu ao abrir os olhos foi Lobinha. A cadela, como todo bom cão de guarda à noite, tinha os olhos cerrados, mas não dormia. Ao perceber os movimentos do hospede, levantou a cabeça que repousava sobre as patas dianteiras cruzadas e ficou esperando os próximos movimentos. Sem a menor ideia de onde estava, o enfermo virou-se na cama. Fitou o teto à meia luz dégradé que saia de um abajur no canto do quarto… tentou sentar-se na cama e… sentiu dor! O corpo todo doía. Parecia ter sido atropelado. Algumas partes doíam mais. Um ponto na coxa direita, outro nas costelas do mesmo lado, um galo na cabeça e outro na têmpora latejavam… “Porque estava assim?”, pensou. A cabeça estava confusa, muito confusa. Não tinha a menor ideia do que estava acontecendo e nem de onde estava. A pouca luz que saia filtrada pelas gretas do abajur se perdiam antes de chegar ao teto do quarto… não sabia se estava num quarto, numa mata… num túmulo. Estaria vivo… estaria morto… estaria dormindo, sonhando?… Tentou olhar novamente para a silhueta do animal à sua direita – seria mesmo um animal ou uma quimera? Ao virar-se para olhar para o animal sentiu uma pontada na costela… voltou à posição anterior. A dor parou. Ficou só o latejamento. Experimentou virar-se para o lado contrário, para o canto. Sentiu alívio. Achou a posição mais confortável… Fechou os olhos. Voltou a dormir. Não viu o vulto alto saindo do banheiro…

Uma hora depois a porta do quarto Zero se abriu lentamente. Uma silhueta feminina, delicada, sem rosto, parou no vão da porta apoiando uma mão no portal. Ficou assim longos segundos… até os olhos se acostumarem com a pouca luz do abajur. Lobinha ao lado da cama novamente levantou a cabeça que continuava apoiada nas patas cruzadas, arregalou muito os olhos azuis, ficou esperando um gesto ou uma palavra… que não aconteceu. Lentamente a silhueta se afastou do portal puxando suavemente a porta atrás de si e deixou o quarto. Era Valentina. Ao ver o vulto do desconhecido deitado de lado, Valentina concluiu que ele havia se virado na cama, portanto estava vivo! Seus lábios quase esboçaram um sorriso de alívio.

 

Esse texto é parte integrante do livro “Uma viagem que não chegou ao fim”!

 

Ceará e a greve de fome!

Ele parou de comer e de beber em protesto para ser preso na sua cidade natal!

Antiga Delegacia de Policia e Cadeia de Silvianópolis.

     Nove e meia de uma noite morna de verão de 1994. As duas crianças seguiam absortas pela estradinha, sob a luz parca da lua crescente que já se despedia no céu. De repente, um susto! Voltaram correndo e gritando na direção do casal de namorados que vinha logo atrás:

– Pedro, tem duas assombração perto da porteira – disse o rapazinho de oito anos.

– É… Eles assustaram a gente! – emendou esbaforida a garotinha de 5 anos.

Não havia motivos para tamanho susto. Mas estava lançada a semente da discórdia! Era preciso defender as crianças, irmãos da namoradinha, mesmo que fosse de assombrações! Pedro apertou o passo e no minuto seguinte chegou à porteira. Não eram assombrações! Eram apenas o José Ribamar, conhecido por Ceará e seu sobrinho Gesualdo. Os dois homens estavam sentados no barranco do outro lado da porteira, pitando um palheiro, enquanto esperavam um morador do bairro para tratar de negócios. Tal morador bem como Pedro, a namoradinha e as crianças estavam numa novena não longe dali e deveriam passar pela porteira. A discussão entre Pedro e os dois ‘assustadores’ de crianças indefesas foi inevitável. Na presença da namorada, Pedro ficou mais valente do que era necessário. Em poucos minutos a discussão entrou em ‘vias de fato’ e… culminou com os fatos!

Ceará e o jovem sobrinho, moradores do bairro Jardim Yara em Pouso Alegre, tocavam uma pequena lavoura encravada no pé da serra do bairro dos Fernandes. Era ali que passavam os dias vivendo no rancho e só voltavam para casa no final de semana. Por isso, quando saiam do rancho à noite, Ceará sempre levava na cinta um facão!  Em meio à discussão com Pedro, o facão de Ceará foi parar na cabeça do futuro cunhado das crianças assustadas! As pessoas que saíram da novena e vinham logo atrás, evitaram que tanto Pedro quanto Ceará perdessem de vez a cabeça!

Na manhã seguinte ao imbróglio, sentei Ceará e seu sobrinho no piano da Delegacia de Polícia de Silvianópolis, onde eu trabalhava – também – como escrivão. Em 1994 ainda não existia a famigerada Lei 9.099/95. Portanto, o artigo 129 do CP ainda dava cana! Ainda mandava seus infratores para o hotel do contribuinte. Ceará, com seus quarenta e tantos anos, pegou 120 dias de xilindró. Seu sobrinho, de 19 anos, pegou 90. Como foram presos em flagrante, desde a noite do destempero passaram a se hospedar no “velho hotel” da rua Júlio Correia Beraldo, mesmo prédio da DP.

Antes de concluir o inquérito policial contra Ceará, puxei sua capivara. Não encontrei nada em Minas Gerais, onde ele morava, e nem no Estado do Ceará, que lhe deu o apelido! Mas encontrei no Estado do Piauí. Ceará devia um 121 na pequena Pio IX, onde ele nasceu e viveu até tropeçar nas malhas da lei. Antes de receber as pulseiras de prata, Ceará dobrou a serra do cajuru e veio vender redes de varandas no Sul de Minas, onde acabou fincando raízes. Depois da casa caída, Ceará contou-me que havia matado um ‘cabra da peste’ naquela cidade por causa de uma mariposa.

– A gente tava na zona… O cabra começou bater numa rapariga, eu chamei ele na chincha, danei com ele, mas não teve jeito… aí eu cravei a lapiana no bucho dele!

– A… mariposa era sua parente, sua conhecida?

– Parente não… de vez em quando a gente tinha uns aprochego, só isso… mas deixo cabra covarde bater em mulher não…  – justificou.

– Quando foi isso?

– Faz uns 15 anos.

Ao tomar conhecimento de que o seu fujão estava passando ‘férias’ conosco cá em terras sul-mineiras, como de praxe, o homem da capa preta da comarca de Pio IX pediu que o segurássemos por aqui, pois eles viriam busca-lo para ser julgado naquele Estado.

E o tempo foi passando. Um mês, dois meses, três meses… Ao cabo de 120 dias Ceará já não devia mais nem um centavo à justiça mineira. Mas continuou dando despesas ao contribuinte mineiro!

A justiça de qualquer dos estados brasileiros, nunca teve interesse e nunca se preocupou em buscar um condenado, ou ainda pior, um denunciado seu em outro Estado. Muito menos o Estado do Piauí, um dos mais pobres do Brasil.

Minas Gerais não tinha nenhum interesse em manter um hospede que já havia pago seu débito… Mas também não podia soltar o confesso assassino sabendo que ele estava na lista negra do Estado coirmão!

Diante da obnubilada conjuntura Ceará foi ficando, ficando, ficando… atrás das grades em Silvianópolis sem nada dever à justiça mineira! Inconformado, sem poder voltar para seu sitiozinho ao pé da serra nos Fernandes ou para sua casa no Jardim Yara, com o passar dos dias, das semanas, Ceará passou a cobrar uma solução para o seu caso – com razão. Que o soltassem! Ou que o transferissem para sua terra natal para ser julgado!

Numa segunda-feira quando o ‘bandeco’ pago pela prefeitura chegou, Ceará o dispensou. Começava naquele dia uma greve de fome! E os dias foram passando… e o grandão Ceará, alto, de braços fortes e musculosos se definhando, os olhos afundando, a palidez aumentando, e o aspecto de ‘cadáver vivo’ se aflorando. Uma semana depois, parecendo alguém saído de uma tumba de setecentos anos, Ceará parou também de beber agua!

No décimo dia sem comer e no terceiro sem beber, Ceará parecia pior do que se tivesse vindo do Ceará para Pouso Alegre… à pé!

No meio da tarde daquela quarta-feira recebi um telefonema da TV Alterosa. O repórter queria saber se era verdade que havia um preso ali há dez dias sem comer e sem beber. Confirmei. E deixei claro que o problema não era POLICIAL mas sim JUDICIAL.

Duas horas depois recebei outro telefonema. Esse era de pertinho, vinha ali da esquina, da secretaria criminal do Fórum Homero Brasil.

– Prepare o preso Ceará para viagem. O homem da capa determinou que ele seja transferido ainda hoje para sua cidade natal – disse a senhora Nilma, da Secretaria Criminal.

Duas horas depois Ceará, trôpego e pálido, mas com os olhos brilhantes, sentou-se no banco de trás do Palio da Policia Militar e seguiu para Belo Horizonte. Lá trocou de viatura e de escolta e foi prestar contas do seu crime à justiça do Piauí.

Nunca mais tive notícias do moço que exibiu e brandiu o facão grande na porteira do bairro dos Fernandes… Não sei quanto ele pagou por ter defendido a mariposa em Pio IX.

O detalhe que chama a atenção nessa história é que: um simples telefonema da imprensa para o Fórum da Comarca de Santana fez girar a emperrada máquina da justiça e em poucos minutos resolveu um problema que se arrastava há meses!

Mas como a imprensa ficou sabendo que havia um preso ilegal, virando esqueleto, no velho hotel da Júlio Correia Beraldo? Quem ligou para a TV naquele décimo dia de – justa – greve de fome?

‘Corto minha língua, mas nem no ‘pau de arara’ eu conto “quem fui”’!

Flores da Sapucaia

A arvore que engana os incautos!

Flores prontas para desabrochar

Semana passada publiquei no Blog e nas minhas redes sociais uma crônica sobre a “Sapucaia… a arvore que enganou o historiador”!

Pois é… Ela enganou a mim também!

Flores roxas escondidas entre as folhas rosas… o motivo do meu engano!

O motivo da crônica foi esclarecer aos leitores que a arvore que deu nome às cidades de Santa Rita do Sapucaí, São Gonçalo do Sapucaí, São Bento do Sapucaí e aos rios do mesmo nome no Sul de Minas, era na verdade o ‘Óleo Copaíba’, e não a Sapucaia, como batizou equivocadamente o historiador.

Num trecho da matéria afirmei que a Sapucaia, que há décadas ornamentam a orla da Lagoa da Pampulha e outras praças de Belo Horizonte, não dá flores!

Foi aí que a bela Sapucaia me enganou!

Que ironia! Explicando o engano do historiador, eu também fui ‘enganado’… e enganei o leitor!

O fato é que, a Sapucaia dá flores, sim, e lindas por sinal!

As flores começam com grandes botões roxos. À medida que vão desabrochando adquirem uma coloração lilás e acabam ficando brancas, até cair ao chão.

Quando chega a esse ponto… É o fim da flor!

Lembram um pouco o Manacá da Serra que, ao contrário, nascem de botões brancos, se abrem e assumem a cor lilás até forrar o chão!

Sapucaia… A arvore que enganou o historiador!

Na região onde rios e cidades levam seu nome, não se tem a localização de um único pé nativo da famosa arvore.

Dos 125 pés de Sapucaia que enfeitam praças e jardins de Belo Horizonte, 35 estão na orla da lagoa da Pampulha.

Você que já viajou pelo Sul de Minas, com certeza cruzou cidades e rios com nomes originários na Sapucaia… São Gonçalo do Sapucaí, Santa Rita do Sapucaí, Porto Sapucaí. Se subir até a bela Campos do Jordão você passará por São Bento do Sapucaí, Sapucaí Mirim e poderá beber nas nascentes cristalinas dos rios Sapucaí e Sapucaí Mirim. Todas estas localidades e rios receberam esse batismo em homenagem à famosa Sapucaia, arvore de grandes copadas, supostamente abundante no Sul de Minas, principalmente nas margens baixas dos rios que levam seu nome.

Só que não!

A famosa Sapucaia, conhecida (e explorada) pelos europeus que aqui chegaram, desde o século XVI, originaria da Mata Atlântica, hoje anda pela beira da morte. Não se tem a localização de um único pé nativo no Sul de Minas.

O que o historiador chamou de Sapucaia, era, na verdade, o Óleo Copaíba!

Este sim, nativo e abundante na região onde batizou tanta ‘gente’!

As arvores são de fato parecidas, apenas no porte, porém muito diferentes na florada, na formação da casca (a Sapucaia tem formato de rusgas e fissuras, lembra a casca do cedro). O óleo copaíba tem a casca um pouco mais lisa e seu fruto é pequeno. O fruto da Sapucaia tem o tamanho de uma cabeça de cachorro médio. Se cair do galho a trinta metros de altura sobre um cachorro, pode aleijá-lo! O fruto da Sapucaia (semente) tem grande valor nutricional embora não seja comercializado. O óleo copaíba tem grande valor medicinal. Ambas as arvores, que podem passar de trinta metros de altura, podem forrar o chão da casa que você pisa!

Por engano ou não, o nome ficou. Todos estes lugares que eu citei foram batizados com o nome da Sapucaia. Mesmo não vendo a arvore, toda vez que você passar por ali, vai se lembrar do que acabou de ler!

Anos atrás a prefeitura de Belo Horizonte plantou 125 pés de Sapucaia em suas praças, jardins e logradouros públicos, inclusive na Praça da Liberdade. No entorno da Lagoa da Pampulha, por onde pedalo quase todos os dias, já contei até o momento 35 arvores!

Esta é época mais fácil de ‘percebê-las’… É a época da florada, ou melhor, da ‘folhada’! Sim. A Sapucaia não dá flores… No início da primavera as folhas verdes, novas, mudam de cor e durante cerca de duas semanas tingem suas copas de rosa e lilás. Por isso é fácil percebê-las… e contá-las.

Belo Horizonte é bastante arborizada e florida, especialmente na região da Pampulha. O ano todo sibipirunas, manacás, primaveras, flamboyants, jacarandás rosas, ipês de várias cores, sapucaias, cada um a seu tempo enchem nossos olhos – e corações – de cores! Na ilha da lagoa, no momento, tem três pés floridos que não consigo afirmar qual deles é ipê roxo ou Sapucaia.

Mas, voltando à Sapucaia, a arvore que enganou o historiador e acabou batizando rios e cidades no Sul de Minas, tem sim Sapucaia no Sul do Estado. Graças a um cidadão altruísta que resolveu preservar a espécie tão bela. Em Santa Rita do Sapucaí há dois belos espécimes da famosa arvore. E é muito fácil identificá-los. Quando entrar na cidade pelo acesso sul, pela ponte principal, quando estiver no final da ponte sobre o Rio Sapucaí, olhe para a margem à sua direita à frente. Ali – salvo engano no quintal de uma academia – duas belas arvores com suas copadas lilás irão encher seus olhos!

Dos 125 pés de Sapucaia que enfeitam praças e jardins de Belo Horizonte, 35 estão na orla da lagoa da Pampulha.

Agradeço a natureza todos os dias por tão belo espetáculo… E agradeço a Deus a sensibilidade para perceber as belezas que nos cercam e tornam nossa vida mais colorida, mais alegre, mais divertida, mais romântica…

      

Covid Brasil X EUA … Para pensar na cama!

Enquanto aqui morreram 97 mil pessoas, lá, no mesmo período, com todas as pessoas vacinadas, morreram 390 mil pessoas!

Em setembro de 2021, num dos momentos mais sensíveis da pandemia do Coronavírus, comecei arquivar os números da doença, no Brasil e nos Estados Unidos. Naquela ocasião, toda a população americana, que quis, já havia sido vacinada. O Brasil estava bem próximo de atingir o mesmo objetivo.

 

Em meados de setembro do ano passado, os números da Covid nos dois países eram estes:

 

Brasil: (Sexta, 17 de setembro 2021… 20 milhões de casos + 34.407 novos casos + 649 óbitos = Total 589 mil óbitos

USA: (Sexta-feira, 17 setembro 2021… 43 milhões de casos + 155 mil novos casos + 3.415 mil óbitos = Total 670 mil óbitos

Desde então venho acompanhando os números nos dois países. Nesta terça-feira, 27, este são os números atuais nos dois países:

 

Brasil: Terça-feira, 27 setembro… 34,6 milhões de casos + 13.861 novos casos + 85 óbitos = Total 686 mil óbitos

USA: Terça-feira, 27 setembro… 95,9 milhões de casos + 58.520 novos casos + 404 óbitos = Total 1,06 milhão de óbitos

 

Depois de ceifar 686 mil vidas humanas no Brasil e 1.06 (um milhão e sessenta mil) nos Estados Unidos, a Covid está sob controle em quase todo o planeta. A imprensa já nem liga mais para Covid. Os números da Covid no mundo já não fomentam mais as intrigas políticas e não vendem mais audiência nos veículos de comunicação – a menos que seja para colocar 400 mil mortes na conta do adversário político.

Há várias semanas a média de mortos por Covid no Brasil estacionou na casa de 50 por dia, em média. Nos Estados Unidos a média se mantem alta, em torno 500 óbitos por dia há várias semanas.

Os números diluídos neste final de semana ficaram em 404 óbitos no país do democrata Joe Biden. Amanhã, esse número deve aparecer acima de 700.

No Brasil, também em números diluídos para o final de semana, foram anotados 85 óbitos por Covid. Amanhã esse número será inferior a 50. Acesse o Google nesta quarta-feira e confira.

Apesar de ter ceifado tantas vidas, a Covid ajudou centenas de prefeituras e dezenas de Estados a colocar suas contas ordinárias em dia! Sim, todos os estados e municípios do Brasil onde há estrutura mínima para cuidar da saúde, receberam polpudas verbas do governo federal para combater a Covid. Nem todos usaram o dinheiro para isso… Nem todos conseguiram evitar que as pessoas contraíssem o vírus e que morressem em decorrência dele! Morreram, infelizmente, – e lamento – aquelas pessoas que tinham, sabendo ou não, algum tipo de comorbidade e, de um jeito ou de outro contraíram o vírus! Na minha família isso aconteceu.

Dentre tanto que se falar sobre a covid nestes dois anos e meio, um fato precisa ser trazido à tona, ao conhecimento da sociedade, para que as pessoas reflitam sobe tudo que ouviu da imprensa e dos políticos neste período: trata-se dos números da Covid nos dois países, quase iguais em tamanho e tão diferentes na economia: EUA e Brasil.

Os Estados Unidos têm 335 milhões de habitantes… O Brasil tem 215 milhões.

Nos Estados Unidos, morreram de Covid, 1,06 (um milhão e sessenta mil) pessoas!

No Brasil, morreram de Covid 686 mil pessoas.

Até aí tudo bem. A proporção está próxima da equivalência.

O que chama a atenção é o período em que essas pessoas morreram!

Nos últimos doze meses, mais precisamente desde o dia 17 de setembro de 2021, quando comecei a acompanhar diariamente os dados pelo Google, no Brasil morreram 97.000 (noventa e sete) mil pessoas…

No mesmo período nos Estados Unidos, país mais rico do mundo e dono da mundialmente conhecida farmacêutica Pfizer, morreram 390.000 (trezentos e noventa) mil pessoas!

Por alguma razão, a grande mídia não fala sobre isso. Eu também não vou falar. Deixo para você, que acabou de ler essa matéria, refletir e tirar suas conclusões!

 

Obs: esses números, como eu disse no início, foram anotados diariamente desde o dia 17 de setembro de 2021 até a presente data. Portanto, os números não são meus… São do Google. Estão lá à sua disposição.

Um policial na corda bamba!

O carro no qual ele viajava levava um quilo de maconha!

Trevo da Brasilinha, na Fernão Dias (foto ilustrativa, retirada do vídeo  “Como era a Rodovia Fernão Dias antes da duplicação”, no Pouso Alegre . Net

 

Doar sangue e contribuir para salvar uma vida, é um ato senão heroico, ao menos nobre. Talvez por isso, sempre que os hospitais ou bancos de sangue estão com o estoque muito baixo, apelam para instituições públicas tais como Corpo de Bombeiros, Policias Civil e Militar e quartel do exército, para reposição e são prontamente atendidos. Foi assim que me tornei doador de sangue. E por muitos anos pude sentir a prazerosa sensação de ser – quase – ‘herói’!

Além do sentimento altruísta de estar contribuindo gratuitamente para a saúde de uma pessoa – na maioria das vezes desconhecida; da gratidão dos parentes da pessoa beneficiada; do atendimento especialmente carinhoso dos funcionários do ‘banco de sangue’; daquele ‘lanchinho especial’ servido pela copeira; do olhar de orgulho das pessoas à sua volta, há um outro sentimento… O de “folga”! De não ter que trabalhar naquele dia! Sim, após a retirada de 500ml do precioso líquido, o doador precisa de repouso. Como as doações são agendadas sempre pela manhã o doador de sangue tem o resto do dia livre.

No quartel, embora fôssemos soldados – a maioria contra a vontade, pois o serviço militar é obrigatório – não estávamos interessados tanto na nobreza do ato, mas sim na folga inesperada e gratuita naquele dia. Por isso, sempre que o comandante da bateria solicitava a manifestação de cinco voluntários para doação de sangue no dia seguinte, vinte e cinco ou mais levantavam as mãos, rsrsrsrsrs… Eu era um dos primeiros!

Na polícia também comecei cedo a nobre carreira de doador de sangue! Antes mesmo de ser diplomado.

Era uma quinta feira de janeiro de 81. Antes de dispensar a “D8”, minha turma do curso de formação de detetives na ACADEPOL, o coordenador fez a clássica pergunta:

– Tem algum doador de sangue aqui!

Mal ele concluiu a pergunta eu já levantei a mão!

– Voce deverá estar em jejum no hospital da PC na Av. Carandaí, às 08:00h da manhã. Peça o comprovante de doação… e pode tirar o resto do dia de folga – orientou ele.

Tirar folga justamente na sexta-feira e poder voltar para casa um dia antes, depois de três semanas longe da família, era quase um sonho. Ficou melhor ainda quando cheguei à minha ‘república’, no Prado, ao pé da noite. Um ex-colega do exército, que eu não via desde que dera ‘baixa’, estava hospedado ali e voltaria para Pouso Alegre na manhã seguinte, ele e o motorista do pai. Melhor impossível! Eu nem precisaria pegar o ENSA às nove e meia da manhã para chegar em casa, com sorte, às seis da tarde. Melhor ainda, de carona, de ‘grátis’! Deus estava me recompensando pelas minhas boas ações de doador de sangue!

Às sete da manhã peguei o ônibus azul na esquina do Cine Amazonas. Às nove peguei o ônibus vermelho na Praça 7, de volta para a república. Poucos minutos depois minha singela mochila estava no banco de trás da Caravan verde do pai do meu amigo. Com aquele carrão, e um motorista maduro e experiente, antes das três da tarde dobraríamos a lombada do Clube de Campo Fernão Dias e eu pousaria meus olhos saudosos na minha querida Pouso Alegre. Bendito o dia em que me tornei doador de sangue, pensava eu!

Mas havia pedras no caminho! Na verdade… erva!

Meu ex-colega do 14º GAC, vizinho de armário e de beliche, era consumidor de um produto até então especial, que não se encontrava a qualquer hora em qualquer lugar naquela época. Hoje, em cada esquina da Baixada do Mandu em Pouso Alegre, você encontra esse produto… Na verdade, você nem precisa descer à baixada… Basta um ‘torpedinho’! Em quinze minutos um motoboy entrega a encomenda na sua casa, na porta da sua escola, ou até mesmo no seu local de trabalho. Tempos atrás um assessor da câmara municipal de Pouso Alegre comprava o tal produto através do Cel. corporativo da Casa de Leis! No alvorecer da década de 80, esse produto, natural e perfumado, além de proibido, era raro e caro… mesmo na capital! Por isso a encomenda do meu amigo demorou para chegar! E o tempo foi passando… Dez horas, onze horas, onze e meia… meio-diiiiiia!…

Eu já começava a me arrepender da carona! Se tivesse pego o Impala às dez e meia da manhã na rodoviária, chegaria ao Fernandão em Pouso Alegre antes da cinco da tarde. Mas era um saco viajar no Impala lotado ouvindo a tagarelice cantada da baianada que descia do Nordeste para S.P. Além do mais, o Impala fazia a linha Teixeira de Freitas-BA/São Paulo, não entrava na cidade. Eu teria que descer no trevo da Brasilinha e descolar uma carona para casa… E eu nunca foi bom de carona! Meu amigo ao menos me deixaria na porta de casa.

À uma da tarde, quando eu já pensava em descer para a rodoviária a fim de pegar o ENSA das 15:30h, finalmente um golzinho pardo parou sorrateiro na esquina. Depois de ter certeza de que não era uma cilada dos ‘homi’, o motorista se aproximou do portão da república e entregou a encomenda.

Às 13:15h, depois de consumir o produto proibido, finalmente pegamos a estrada. Tanto meu amigo ex-soldado quanto seu motorista, exalavam o cheiro adocicado da ‘erva’! Fizeram duas viagens … uma pela perigosa Fernão Dias esburacada… e outra pelas estrelas, no rabo do cometa!

Quatro e trinta e cinco da tarde avistei Pouso Alegre. Minutos depois apeei da Caravan na porta de casa no bairro da Saúde. Não sei como o motorista conseguiu fazer BH/Pouso Alegre – 390 km – em quatro horas e vinte minutos pela Fernão Dias de pista única! Com certeza a ‘erva marvada’ ajudou!

Depois desse fato, fiquei muitos anos sem ver meu ex-colega de caserna. Certo dia, já aposentado na policia mas frequentando regularmente a delegacia como jornalista policial, voltei a encontrá-lo por lá. Conversamos como velhos amigos. Falamos da caserna, do destino que um ou outro amigo havia tomado depois da ‘baixa’. Ele contou-me que havia viajado – literalmente – para outro continente e que estava de volta à cidade. De fato, ele se tornara um discreto, porém sério e honrado cidadão. Sobriamente vestido, sem nenhum débito com a lei. Mais tarde fomos vizinhos de bairro, nos cumprimentávamos cordialmente sempre que cruzávamos na rua, mas nunca tocamos naquela quase alucinada viagem BH/Pouso Alegre. Eu nunca soube o que ele fez com a antiga paixão que nutria pela ‘erva marvada’ quando era jovem.

Agora que você chegou até aqui, engate uma ré!

Volte pela mesma estrada 40 anos no tempo…

Imagine se naquela vertiginosa viagem pela esburacada Fernão Dias, tivéssemos sido parados numa blitz dos homens da lei!

Imagine o que aconteceria se os patrulheiros da estrada tivessem encontrado um tabletão de quase um quilo de canabis sativa de Linneu dentro da Caravan!…

Receber as pulseiras de prata e assinar o artigo 12 da lei 6368, seria apenas um detalhe!…

Depois de doar meio litro de sangue para um deputado na capital,  e pegar uma carona para chegar mais cedo em casa, minha viagem terminaria no Velho Hotel da Silvestre Ferraz!

Naquele dia o jovem acadêmico de polícia, aspirante a detetive, conheceria o lado de dentro de uma cela… e encerraria precocemente sua carreira policial, antes mesmo de concluir o curso e receber o diploma!

Tudo por conta de uma carona com um amigo…

O rancho, a chuva… e Deus!

Dormi com o canto alegre e desencontrado das aves…

E acordei com a mais bela sinfonia da natureza: a chuva no telhado!

Viver na roça…

Dormir logo após o primeiro canto do Curiango…

Levantar com o cantar do galo…

Tirar o leite da vaca direto na caneca de café e tingir o bigode de espuma quente do café com leite…

Almoçar no meio da manhã sentado no cabo da enxada na sombra do pé de Cedro no milharal…

Ouvir o dia inteiro o cantar do Sabiá na beira do mato… ou o Bem-te-vi na copa do Sucupira…

Enxugar o suor da testa na manga empoeirada da camisa antes de tomar café frio com bolo de fubá no meio da tarde…

Voltar da roça no primeiro cantar do inhambu antes do sol se esconder no espigão…

Apartar os bezerros, tratar dos porcos, das galinhas, consertar a cerca da horta, e só então sentar-se na varanda para pitar um cigarro de palha, ouvindo os acordes das violas de Tonico & Tinoco no radinho à pilha…

 

Essa era a rotina do meu povo até poucas décadas atras.

Mas essa sintonia com a natureza não era suficiente… Meu Coutinho queria mais!

De vez em quando era necessário fazer um… “pouso no mato”!

Dormir no chão, debaixo de uma arvore, contemplando as chamas vermelhas da fogueira, escutando o crepitar da lenha seca se misturando com o cantar dos grilos, ou com o som indecifrável de outros bichos curiosos na mata escura a poucos metros dali…

Dormir… Só quando o assunto acabar! Ou quando a lua cheia começar a descer do outro lado do céu!

Sentir medo… sentir frio… sentir desconforto…

Mas sentir a coragem de desafiar os perigos e adversidades.

Sentir a força de superar!…

E sobretudo…

Sentir liberdade na alma!

Mais que isso…

Sentir a natureza na pele! Nos ouvidos… Ouvir a natureza no seu próprio habitat.

É masoquismo? É sadismo? É loucura? É cultura?…

Ou simples gosto pela aventura? Ou quem sabe… a preservação do instinto natural dos ancestrais?

Cada leitor é livre para abraçar a resposta que quiser…

 

Meu ‘batismo’ de pouso no mato se deu no dia 05 de setembro de 97. Tinha de ser… e foi, inesquecível!

Sete amigos, todos primos e irmãos. Na serra da Grota Funda, um dos pontos mais altos do bairro dos Coutinhos. Cada detalhe daquele primeiro pouso no mato ainda ulula na minha memória.

A chuva fina no meio da tarde… a subida íngreme da serra carregando a tralha… o fogão feito no cupim… o pé d’agua que caiu no início da noite… a lua gigante e pálida surgindo por entre os galhos das arvores… a figura parda do lobo Guará se aproximando pelo cheiro da comida… até ser escorraçado pelo Campeão, nosso jovem cão malhado! E os raios dourados do sol inundando a restinga de mata na manhã seguinte!

Depois do primeiro pouso outros tantos se seguiram… sempre às noites de lua cheia, em época de seca, entre os meses de maio a agosto!

 

Outro dia, não resistindo a saudade dos nossos “Pousos no Mato”, antecipamos nosso calendário… Fomos no dia 06 de janeiro, Dia de Reis! Dia da Gratidão…

Havia previsão de chuva, por isso fomos a um rancho de gado, ao pé da Serra da Gruta Funda.

Éramos cinco. O inseparável Osvaldinho, meu afilhado Ronaldo, o primo Mario e o sempre alegre e risonho Odair do Ieca.

Apesar de não aparecer, a lua cheia brilhava por cima das nuvens… E a noite, embora sem brilho, estava clara quase como um dia!

Para dormir, cada um estendeu seu colchão num canto, ou uma rede pendurada nas linhas do rancho.

Armei minha cama em cima da mesa de um carro de boi. Colchão, travesseiro e uma coberta fina. Mais confortável impossível. Cansados da labuta do dia e de horas de conversa agradável em volta do fogão improvisado no chão ou sentados na cerca do curral, no início da madrugada nos entregamos às caricias de Morfeu.

Pouco tempo depois fomos acordados com os latidos ferozes do fiel Campeão. Parecia que ele estava tentando nos defender do ataque de uma alcateia!

Ao acender a lanterna constatamos que o inimigo não era tão perigoso! Era apenas um gambazinho atraído pelos restos de comida nas panelas. Na tentativa de fugir dos ataques do nosso guardião, o pobre animalzinho faminto se atrapalhou na cerca de tabua e caiu no capim do lado de fora do rancho. Antes que ele se enfurnasse no mato foi alcançado e agarrado pelo Campeão. A luta foi feroz e desigual. O inteligente cão mateiro cravou as mandíbulas no fedorento e impediu sua fuga. Durante mais de um minuto ficaram ali rolando na grama macia do pasto. Campeão sacudia o gambá até ele parar de espernear e o soltava imóvel, fingindo de morto, no chão. Ao menor movimento, tornava a cravar-lhe as mandíbulas e o sacudia novamente. Até que, ao soltar o fedidinho no chão, ele não se mexeu mais. Por alguns minutos o perfume característico do gambazinho ainda circulou pelo rancho até ser levado pelo vento da madrugada. O silencio voltou a reinar ao pé da fresca Grota Funda.

 

Algumas horas mais tarde um novo ruido interrompeu meu sono. Despertei lentamente, como se estivesse sonhando. O ruido era uma mistura de chiado com farfalhar de folhas ou roupas sendo manuseadas… Agucei os ouvidos, abri lentamente os olhos! Tive receio de que fosse uma cascavel quem sabe se aproximando e se preparando para dar o bote! Havia um vulto se movimentando lenta e silenciosamente dentro do rancho… Esperei que meu olhos se acostumassem com a penumbra. Aos poucos fui identificando o vulto misterioso… Era o Mario! Lentamente ele desfez sua cama… dobrou a rede, a cobertinha, vestiu a blusa, calçou as botinas, jogou a tralha nas costas, ajeitou o chapéu de palha na cabeça e sem acender lanterna, sem acordar ninguém e sem se despedir, deixou o rancho e pegou a trilha batida de volta para casa. Quando o vi sumir na curvinha do córrego abaixo, consultei meu relógio… 04:15h da manhã! Ele tinha menos de uma hora para chegar em casa antes de o dia amanhecer, sem ser visto pelos vizinhos… afinal, era terça-feira, dia de um homem sério da roça, trabalhar! Virei para o canto e voltei para os braços de Morfeu.

 

Raspava sete da manhã quando ouvi bulha dos demais companheiros de pouso no rancho. Eles já estavam de pé, amarrando as tralhas. As brasas do fogãozinho improvisado no chão no início da noite anterior haviam morrido. Agora só cinzas! Olhei em volta do rancho… O céu estava bastante carregado. Uma chuva rala, fina e indecisa caia lentamente na Grota Funda. Grama e arbustos em volta já estavam molhados…

– Vai embora ou vai ficar, Chips? – perguntou um deles.

Olhei para mata fechada, acima, a poucos metros do rancho. Olhei para a capoeira rala do lado de baixo. Olhei para a trilha que logo sumia na curva e constatei que a chuva já estava próxima… Olhei para o telhado rústico acima da cabeça já antevendo o barulhinho da chuva e respondi:

– Vou ficar. Vou curtir um pouco da natureza.

Tão logo vi os companheiros de pouso sumirem na curvinha da trilha, puxei a coberta até o pescoço, virei para o canto e me entreguei às caricias de Morfeu! Adormeci ouvindo bem-te-vis, sabiás, tico-ticos, coleirinhas e pintassilgos em volta do rancho…

 

Dormi com o canto alegre e desencontrado das aves…

E acordei com a mais bela sinfonia da natureza: a chuva no telhado!

Parecia um sonho! Parecia que eu estava no meu colchão de palha, no meu catre na antiga casa de pau-a-pique onde nasci, nos anos 60.

A diferença é que os pingos que passavam pelas gretas das disformes telhas de bicas feitas rudimentarmente à mão, deixavam aquele menino de calças curtas, à vezes, apavorado!

Agora, a chuva mansa que batia no telhado a pouco mais de um metro dos meus ouvidos, soava como uma harpa executada por anjos… Era como balsamo… Me levava ao paraíso!

Abri lentamente os olhos não querendo despertar do sonho…

A orla da mata acima, antes escuras e amedrontadoras, estavam ligeiramente brancas pela chuva fina…

O bananal do Messias, na virada do morro do Sapé, levemente sacudido pelo vento, parecia ensaiar um balé nos braços da chuva que ao longe parecia mais densa…

Não. Não era sonho… Era a mais pura expressão da natureza!

Eu estava só, deitado num singelo colchão sobre uma mesa de carro de boi, dentro de um curral de gado, ao pé da serra, distante vários quilômetros da ‘civilização’…  Eu, Deus e a chuva no telhado… era o paraíso… Ou talvez o céu!

Naquele momento senti um único desejo… que a chuva continuasse!

Só existe uma coisa no mundo melhor do que “acordar” com a música da chuva batendo no telhado…

“Dormir” com a música da chuva batendo no telhado!

Aos poucos fui ficando leve, leve, leve … Logo não senti mais meu corpo. Voei… voei na chuva morna e clara, sem me molhar… sem sair dos arredores da Grota Funda.

Tão suavemente quanto adormeci… despertei, uma hora mais tarde!

A chuva havia diminuído. Era como se a natureza fechasse lentamente um chuveiro…

Eu não havia me molhado… mas estava limpo, leve, renovado, de alma lavada.

Levantei do carro de boi… juntei lentamente minha tralha, joguei nas costas, deixei o rancho e desci o pé de serra.

A água do córrego que cruza a trilha estava com o mesmo volume, tão cristalina como na véspera. Toda a água que caíra com a chuva havia penetrado na terra…

O cheiro de plantas e de terra molhada se espalhava por todo o pequeno vale da Grota Funda… e inebriava minha alma.

Era terça-feira, 07 de janeiro de 2003… Dia do Leitor!

“Cavucada” 5.3

Tem pessoas que acham a porta aberta, entram na nossa vida… e nunca mais vão embora!

Nesse dia Cavucada estava completando 46 anos.

Esse é o caso do amigo Alexandre Reis Assunção “Cavucada”. Fomos vizinhos nos anos 90. Depois disso, mesmo estando distante, como agora, sempre esteve presente… na memória! E no coração.

Hoje, 28 de maio, meu querido amigo – e de milhares de Pouso alegrenses! – está completando mais um ano de vida… 53 anos de alegria, de simpatia, de sorrisos, de ingenuidade… com sua eterna pureza de menino de 8, 9 anos!

Deus te abençoe Cavucada.