No final da manhã deste domingo 24, a cabeleireira M.L.M.S, 52 anos recebeu uma mensagem em seu celular informando que ela havia sido contemplada em um sorteio e tinha ganhado R$ 35 mil e um VW Gol flex. Tudo que ela tinha a fazer era retornar a ligação de um aparelho fixo para o numero (85) xxxx-yyyy para receber as instruções de como retirar seu premio.
Ao ligar para ao referido numero – cujo DDD é do Ceará e região – o promotor do sorteio disse que ela teria que fazer a transferência de R$ 780 para a conta de M.W.F.Silva numa agencia da Caixa Econômica Federal. Tão logo fez a transferência do numerário e voltou a ligar para o mesmo numero, o “sr.Marcio” – percebendo que estava fácil! – mandou que ela fosse à agencia do Santander e depositasse mais R$ 1,20 mil para a mesma conta! Neste momento ‘a ficha caiu’…! A euforia da cabeleireira se apagou… Ela se deu conta de que havia caído no hilário “conto do vigário” via celular! Seu rico dinheiro já havia mudado para o Ceará!
A historia da dona Maria me fez lembrar o primeiro carro que ganhei por telefone, no final de 2006… Foi divertidíssimo. Aliás, foi um espetáculo digno de plateia!
Descíamos – eu e os inseparáveis parceiros Benicio e Cleber – a Rua das Hortências no bairro Recanto das Margaridas, quando o celular vibrou na cintura. Ao abrí-lo vi a mensagem:
– “Voce foi escolhido pelo Programa “Faça uma pessoa feliz” do SBT. Voce foi sorteado com um Honda Civic completo e mais um bônus de R$ 5 mil para documentação e seguro. Ligue de um aparelho fixo para o numero abaixo para confirmar seus dados e receber seu premio”. A central de sorteios do SBT o parabeniza e aguarda seu contato”.
Nós havíamos acabado de prender um cidadão por inadimplência alimentícia e como estávamos no velho golzinho quadrado sem ‘forninho’, ele estava no banco de trás ao lado do Clebinho. Mostrei para o três a mensagem, pulando de alegria no banco da frente!
– Vejam… Acabei de ganhar um carrão zero e mais cinco mil reais!!! Que maravilha! E olha que eu nem vejo o SBT em casa…!
Chegando na Delegacia da Quintino Bocaiuva fui direto para trás do balcão, peguei o telefone e liguei para o numero indicado na mensagem.
– Alô, foi vocês que me enviaram uma mensagem sobre o sorteio de um Honda Civic…?- falei eufórico.
– Um instante… Qual é o numero do téléfone fixo do sr. mesmo? – Perguntou uma voz com sotaque nordestino. Após ouvir o numero que eu disse o dono da voz fingindo desinteresse acrescentou…
– Estou anotando o numero aqui… Vou passar o sr. para o sr. Givanildo, da ‘Central de Sorteios’. Um instante… – disse a voz.
Enquanto aguardava quatro ou cinco segundos, dava para ouvir uns cochichos do outro lado da linha que dizia… “… é um dos nossos clientes!”
A mesma pessoa deu uma limpada na garganta, impostou um pouco a voz e iniciou o diálogo tentando imitar ao menos a alegria do patrão Silvio Santos.
– Quem é o felizardo que acaba de ganhar um belo Honda Civic…?
A cada resposta que eu dava ele emendava uma nova pergunta ou uma interjeição do tipo;
– Mas que sorte a do sr.! senhor Airton! O sr. certamente vai fazer uma festa para comemorar, não é? Imagine ganhar um carro e mais cinco mil reais… – E sem dar tempo para qualquer interpelação, o cidadão com sotaque nordestino foi me enchendo de pergunta e foi esquecendo as ‘formalidades’. Logo estava me chamando pelo nome como se fossemos velhos amigos ou vizinhos!
– Acho que eu mesmo vou levar este carro aí para o sr. e participar deste churrasco, seu Airton!
Sabendo muito bem com quem eu estava falando e que tipo de carro eu havia ganho, dei corda para o moço da ‘central de sorteios’. A cada pergunta dele eu interrompia eufórico, querendo saber detalhes sobre meu carrão novo!
– Mas quando vocês vão me entregar o carro…!
– Amanha mesmo, seu Airton. Mas o dinheiro vai estar depositado na sua conta hoje mesmo, seu Airton…
– Mas que horas vocês chegam com o carro? Quero marcar o churrasco e desfilar com ele pelas ruas, posso?
– Mas claro, seu Airton! O carro é seu… – emendava no mesmo ritmo e euforia o moço da central de sorteios, cada vez mais à vontade, cada vez mais nordestino…!
A esta altura do nosso dialogo no hall do velho predio da esquina da Quintino Bocaiúva, Benicio e Cleber já haviam recolhido o preso da Pensão Alimentícia no ‘corro’ e já havia se juntado a meia dúzia de pessoas em volta do balcão para ouvir a conversa… Afinal, não era todo dia que viam um colega de trabalho ganhar assim um carro de sessenta e cinco mil num sorteio. Quanto mais eu me empolgava de cá com meu Honda Civic, mais o moço da ‘central de sorteio’ se empolgava de lá com minha empolgação…
– Mas me diga, em qual banco mesmo o sr. tem conta, seu Airton? Itaú, é? Tem conta em outro banco também? O sr. trabalha com que mesmo, seu Airton. O sr. já tem carro seu Airton? Que bom sr. Airton, agora o sr. pode dar o carro velho pra esposa e ficar com o carrão zero, né, seu Airton. Isso é que é sorte né, seu Airton? Como é que o sr. quer receber estes cinco mil, seu Airton? Através de boleto ou direto na conta, seu Airton? Qual é mesmo numero da conta seu Airton? Quanto o sr. tem na conta do Itau, seu Airton? E na conta da Caixa seu Airton?
Depois de uns quatro ou cinco minutos de animada conversa, decidi ‘apertar’ o cinto do ‘moço da central’;
– Mas de onde mesmo o sr. está falando, Givanildo?
– Da ‘central de sorteio’ do SBT…
– Eu pensei que o sr. estivesse falando de Fortaleza… Seu sotaque é bem nordestino!
Após uma pigarreada ele emendou…
– Mas eu sou do Ceará mesmo, é que eu não perdi o sotaque da terrinha, inda não!
– E há quanto tempo você trabalha em São Paulo, Givanildo?
– Já tem uns doze anos, oxente!
A esta altura da conversa, no entorno do balcão já não cabia mas ninguém! Funcionários, despachantes, pessoas que estavam na delegacia por algum motivo queriam ouvir de perto minha conversa com o ‘moço da central de sorteios’. E eu dando corda…! E ele querendo saber tudo e mais um pouco a meu respeito! O que eu fazia,quanto eu ganhava, em que banco eu tinha conta, quanto eu tinha na conta… Até que eu fiz a clássica pergunta!
– Mas o que eu tenho que fazer para receber este maravilhoso Honda Civic e os cinco mil, Givanildo…?
– É muito simples seu Airton, o sr. só precisa fazer um pequeno deposito na conta do SBT para ‘reativar’ a conta…! De quanto o sr. dispõe no momento no banco, seu Airton?
– Devo ter uns … quatro mil no banco Itaú, Givanildo – menti descaradamente abrindo um sorriso para as pessoas à minha frente no saguão da delegacia. Minha conta estava mais vermelha do que uniforme de bombeiro! Se eu de fato recebesse um Honda Civic de 65 mil e vendesse para pagar minhas contas em 2006, acho que mal sobraria para comprar uma bicicleta! A esta altura até o delegado Jose Walter, ao ouvir a conversa, desceu do seu gabinete no andar superior e parou na escada de madeira para ver e ouvir a encenação…! Percebendo pela minha euforia que eu já estava quase ‘fisgado’, o ‘moço da central de sorteios’ aumentou a pressão psicológica.
– Mas o sr. não tem dinheiro na poupança no outro banco que o sr. falou não, sr. Airton?
– Devo ter uns três mil e pouco na Caixa, mas eu vou precisar dele para pagar a escola dos meninos…
– ‘Ara’ sr. Airton, o sr., não pode dispor de 7 mil não, sr. Airton? O sr. vai receber totalmente de graça um premio de 70 mil, sr. Airton! Dá para colocar todas sua contas em dia…
– Tudo bem… sete mil! E o que que eu tenho que fazer?
– Fala o numero da sua conta para eu mandar depositar os 5 mil hoje mesmo, seu Airton… Agora anota aí o numero da minha, quer dizer, da conta do SBT para o sr. fazer a transferência dos 7 mil sr. Airton… – derrapou ele.
Bem, depois de uns seus ou sete minutos de encenação com Givanildo, o ‘moço da central de sorteios’ do SBT, diante de calorosa plateia querendo saber o desfecho, era hora de terminar o espetáculo e descer do palco. Levantei da cadeira com o telefone colado no ouvido e fiz a pergunta que todo cidadão que ganha carros e outros prêmios através de celular deveria fazer…!
– Sr. Givanildo… De qual penitenciária do Ceará o sr. está falando, mesmo!!!
– …………….
Após alguns segundos de silencio, engasgos e pigarros, o ‘moço da central de sorteios’ fingindo de desentendido soltou uma pergunta. Sua palidez do outro lado da linha podia se pegar com a mão…
– Não estou entendendo… Do que o sr. está falando, seu Airton..!
– Sr. Givanildo, pelo DDD da mensagem no meu celular, pelo seu sotaque e por mais alguns ‘detalhes’ eu sei que o sr. é um picareta falando de uma penitenciaria qualquer do nordeste do Brasil… Este numero de conta bancaria que você anotou aí é tão verdadeiro quanto você é funcionário do SBT! Eu estou falando da delegacia de policia onde eu trabalho, maaaannnnéééé!
Com o rosto pegando fogo de raiva, o ‘moço da central de sorteios’ do SBT, a dois mil e setecentos quilômetros de Santa Rita do Sapucaí, soltou um palavrão e desligou o celular.
No saguão da DP eu e a plateia soltamos uma gostosa gargalhada…
Para lidar com vigaristas de todo tipo, que te oferece prêmios e bilhetes premiados, não precisa ser policial e nem ter qualquer tipo de experiência… Basta lembrar que para ganhar alguma coisa… É preciso suar a camisa! É preciso trabalhar!!!