Bora Viajar…

O crime da rua Vieira de Carvalho

Nove e quarenta da quinta-feira abafada de agosto, véspera de aniversário do padroeiro da cidade. O jovem alto, forte, cabelos raspados, subiu lentamente a Dr. Lisboa, sem destino, olhando a esmo para todo lado… sem olhar para ninguém. O único objetivo era… respirar o ar puro da liberdade!

Quando cruzou o semáforo da Rua Marechal de Teodoro e pisou no passeio defronte o prédio do 17º Departamento de Policia Militar, instintivamente olhou para a larga e movimentada avenida. Seus olhos pararam na rua em frente, a Vieira de Carvalho… Mais precisamente num antigo sobradinho, onde funcionava um salão de beleza.

Uma lembrança o atraiu.

Encostou-se ao poste em frente o quartel e ficou ali por alguns instantes, olhando para a plaquinha do sobradinho da estreita rua. Suas lembranças o levaram ao passado. Há três anos havia cometido um furto na galeria em frente e acabara sendo preso pela PM algumas horas mais tarde. No momento da prisão não tinha mais a res furtiva e a policia não tinha prova da sua autoria, portanto, não ficaria preso. A menos que alguém o apontasse como autor do furto! E alguém apontou! A policia parara a viatura ali perto e chamara algumas pessoas para ver se alguém o reconhecia…

– “Foi ele mesmo que eu vi saindo da loja…” – Disse a bonita senhora de meia idade olhando pra ele no banco de trás da viatura.

Ele nunca mais voltara naquela rua desde então, mas soubera que a ‘coroa’ que dissera “foi ele mesmo” era uma cabeleireira que tinha um salão ali em frente a Galeria Portal. No começo tivera muita raiva dela e pensara em vingança, mas sua vida já era amarga demais para cultivar mais um sentimento negativo. Acabou esquecendo a cabeleireira cujo nome nem sabia. Agora ali na esquina, olhando para a placa pendurada no velho sobradinho tomara conhecimento do seu nome.

“Ester: Cabeleireira”!

De repente, o perreio que passara naquele cubículo, olhando através das grades remendadas de solda para a cela das mulheres no Velho Hotel da Silvestre Ferraz, veio à tona. Ficou alguns minutos ali encostado no poste pensando na vida, sentindo uma certa angústia. Apesar de, depois daquela bronca ter assinado outras, já ter atingido a maioridade penal e estar a mais de ano morando no novo Hotel do Juquinha, aquela fita na galeria fora marcante. Na verdade, não se lembrava mais o que havia furtado, mas se lembrava nitidamente por que fora preso;

 

     -“Foi ele mesmo” – dissera a cabeleireira.

 

Ele só tinha 19 anos, mas já estava na ‘caminhada’ há quase dez! Morando uma hora com o pai, outra hora com a mãe, outra com uma tia, outra na rua, outra por conta do Conselho Tutelar internado em clínicas. Apanhou do pai, da mãe, dos moleques da rua, de traficantes; tomou puxões de orelha dos conselheiros, do promotor da infância, do juiz da infância! Passou diversas temporadas de 45 dias atrás das grades. Dormiu debaixo da ponte, foi amarrado em casa com correntes para não ir pra rua!…

– “É. A cabeleireira não tem nada a ver com minha vida tão dura… Mas também não tinha que se intrometer”! – pensou ele incógnito, encostado no poste ali a poucos metros da porta do quartel, olhando para a placa do salão de beleza:

 

“Ester Cabeleireira”…

 

Já ia se ‘despedir’ do poste e seguir seu caminho sem rumo tentando esquecer os pensamentos ruins, quando a bonita senhora que o identificara apareceu na sacada do sobradinho. Se reteve ao pé do poste mais um minuto, ou dois, pensando na coroa na janela da viatura anos atrás. Pôde ouvir sua voz:

 

“Foi ele mesmo…”!

 

“Fazia tempo que era ‘dimaior’. Até outro dia estava hospedado no Hotel do Juquinha… Deixa pra lá. Melhor deixar quieto” – dizia a sensata razão.

Mas as lembranças da cabeleireira tranquila e serena livre, leve e solta, falando ao celular no parapeito da janela, cutucavam sua emoção… Decidiu chegar perto, só pra ver sua reação!

– “Vou fazer-lhe uma visita… Quero ver se ela se lembra de mim”! – Pensou o jovem taciturno e calado.

Quando a funcionária do salão chegou para o trabalho por volta do meio-dia, Ester estava inerte sobre a cama. Tinha no corpo pequenas escoriações, marcas de resistência física… de luta pela vida. Na boca, enfiada goela abaixo, havia quase um metro de pano… Morrera asfixiada!

 

*** O crime da Rua Vieira de Carvalho – e suas consequências -, começa na página 459 do livro “MENINOS QUE VI CRESCER”.

BORA VIAJAR…

Cirilo… e o promotor

Debaixo de uma saraivada de bala dos homens da lei, Cirilo passou sebo nas canelas e tentou dobrar a serra do cajuru mas… tropeçou numa cerca de arame farpado e caiu nas malhas da lei! Antes de passar pelo nosocômio, ele teve uma entrevista com o promotor de justiça de Ouro Fino, e desfiou seu rosário de chorumelas.

– Os ‘zomi’ atiraram em mim, doutor. Eu tô ferido… Tem uma bala encravada na minha perna! – informou ele.

Conhecendo suficientemente o tamanho da ‘capivara’ do meliante, o promotor não lhe deu trela.

– Ah, é um ferimento à toa! Podem trancá-lo… Amanhã durante o expediente vocês cuidam disso! – teria dito o promotor.

A indiferença do promotor doeu muito mais na alma do que na perna do meliante. Por pouco lhe custaria a vida anos mais tarde!

Numa noite chuvosa de fim de ano, Cirilo descia a Dom Nery em Pouso Alegre nos braços de Severina do Popote, tentando se proteger sobre as marquises, quando de repente cruzou com um vulto soturno e bem-vestido debaixo de um guarda-chuva. Apesar do mau tempo, Cirilo encarou o sujeito para ver se resistia aos desejos mundanos de anos atrás quando era jovem. Talvez até resistisse se o vulto soturno debaixo do guarda-chuva fosse uma pessoa qualquer. Mas não era. Que azar! De ambos!

O vulto bem-vestido tentando se proteger da chuva era um velho conhecido… um velho algoz!  Um algoz que ele viu apenas uma vez na vida…, mas que fora cruel com sua dor!

Se fosse o policial que colocou a bala em sua perna naquela noite no bairro Caneleira perto de Ouro Fino, teria passado batido, pois estava fazendo seu trabalho caçando bandido. Mas o inimigo era muito pior!

O inimigo não fizera o seu trabalho. O inimigo não permitiu que ele fosse medicado e mandou que o trancafiassem atrás das grades sem nem mesmo uma aspirina para amenizar a dor do ferimento à bala na perna… Era o promotor de Ouro Fino!

Tomado pelo ódio, Cirilo saltou sobre o promotor e bateu nele até vê-lo prostrado no meio da chuva. E seguiu seu caminho pela rua deserta… com a alma lavada. Duplamente lavada…. pela chuva e pelos socos desferidos no inimigo.

– Tanto tempo depois, você se arrependeu de ter batido assim no promotor? – Perguntei.

– Me arrependi amargamente…. de não ter conferido se ele estava morto! Isso me custou 4 anos e oito meses de cadeia! – respondeu Cirilo.

 

*** As aventuras e desventuras do Cirilo Bola Sete começam na página 293 do livro “Meninos que vi crescer”.

OS DEDOS DE FERNANDO DA GATA…

… Foram jogados numa lata de lixo qualquer nos fundos da delegacia!

“O epílogo da história de Fernando da Gata em Pouso Alegre seria escrito quase três semanas depois, devido a uma falha profissional: esquecemos de colher suas impressões digitais! Romeu Norte Pereira, um baixinho invocado, filho de fazendeiro do Triangulo Mineiro, fora meu colega no curso de Detetive da Acadepol e, como cursava medicina, exercia também as funções de Auxiliar de Necropsia na Regional de Pouso Alegre. Foi ele que desenterrou o gatuno – naturalmente nauseabundo – muitos dias depois e fez a coleta das impressões papiloscópicas. A prova cabal da identidade do famigerado bandido, que aterrorizou três estados, foi colhida na garagem da delegacia regional… mas apenas os dedos foram levados para lá, numa pequena bacia de alumínio, ‘delicadamente’ cortados com uma tesoura! O resto do corpo não saiu do tosco caixão no cemitério… até ser requisitado pela família!

No dia 20 de setembro de 1982, já sem alarde, sem clamor e sem glamour, sem saudade e sem os dedos, Fernando da Gata embarcou em um carro funerário em Pouso Alegre e desembarcou no aeroporto de Guarulhos. De lá fez sua primeira e única viagem – da morte – de avião rumo ao aeroporto Pinto Martins na capital cearense. De Fortaleza seguiu de madrugada em um carro fúnebre para Russas, sua terrinha natal, onde era esperado como herói! Enquanto uma radio local anunciava de hora em hora sua chegada, centenas de pessoas, algumas dormindo, outras cochilando e outras eufóricas aguardavam na porta do cemitério para recebê-lo!

‘Foi-se o bandido… ficaram-se os dedos’!!! Numa lata de lixo qualquer nos fundos da Delegacia Regional de Pouso Alegre!

Bora viajar…

“Ler, é viajar… pelas paginas do enlevo, do conhecimento”

Um processo para os ‘anais da história forense’!

       “Ao sair do gabinete do juiz a testemunha veio sentar-se ao meu lado no corredor. Suava frio. Seu nervosismo podia-se pegar com a mão. Ficamos ali conversando até que a testemunha, que não tirava os olhos da janelinha de vidro do gabinete, levou as duas mãos à cabeça e deixou escapar uma exclamação de alivio:

– Graças à Deus, acabou! Fizeram as pazes… Estão se abraçando!”

A euforia no gabinete do magistrado não foi menor, e durou ainda muito tempo. Enquanto se providenciava o registro do inusitado fato nos ‘anais da história forense’ – como disse o próprio -, se imprimia as peças dos autos, colhia assinaturas, o Homem da Capa Preta se pôs a contar histórias do cotidiano. Agora por puro prazer. Estava feliz. Podia arquivar um processo sem condenar ninguém! Coisa rara! Como era a última audiência da tarde, a comemoração só não se estendeu até a noite porque o chá da garrafa pessoal do magistrado acabou!

Quando as partes do extinto processo deixaram o gabinete, o corredor do Fórum se inundou de sorrisos e cumprimentos. Até o agente-requerente distribuía sorrisos. Meio amarelo, mas sorria. Não ganhara um centavo dos cem mil pedidos na inicial, mas estava feliz. Afinal, para se defender, tanto a médica quanto o policial civil, que o conhecem bem, poderiam contar muita coisa que ‘não consta nos autos’… E o feitiço poderia virar contra o feiticeiro! O único calado e desenxabido era o advogado do requerente! Fizera várias viagens à comarca por… nada! Não viu e nem veria um centavo de honorários.

Este fato verídico, com desfecho justo e mais bem-humorado do que eu consegui aqui expressar, passado numa rica cidadezinha nas cercanias de Pouso Alegre em 2012, poderia nos deixar uma valiosa lição:

Que tal parar de entulhar as prateleiras dos Fóruns com pseudo direitos, vaidades, ‘raivinhas’ e picuinhas inúteis? Que tal imolar a cega justiça por motivos que realmente valham a pena? Assim, os doutos juízes terão mais tempo mais julgar casos realmente factíveis e nobres… E não precisaremos reclamar tanto que a justiça é lenta e morosa”!

Essa viagem continua nas paginas do livro “Meninos que vi crescer”.

Quando morre um policial em serviço…

 As emoções se afloram…

O velório de um policial morto em serviço provoca um turbilhão de sentimentos… E pensamentos!

Não sei como Freud explicaria isso. Os comentários são os mais diversos. Nessa hora todo mundo conhece os sonhos e planos do morto. Seja ele quem for, ali frio, estendido silencioso no caixão, torna-se santo… herói…

Há momentos em que o policial, ali ao lado, se imagina dentro do caixão! Se deseja dentro do caixão! Imagina-se numa grande operação, morrendo baleado! as pessoas chorando à sua volta, exaltando suas qualidades!

Se o policial se aproxima do caixão do companheiro morto, todos estão olhando pra ele, falando dele, e comentando baixinho…

Nos dias seguintes todos continuam olhando para ele quando ele passa…

 

Muito cedo na carreira vi o primeiro colega tombar em serviço. Coincidentemente era meu vizinho… morava defronte minha casa. Voltávamos para casa toda tarde, a pé, falando dos nossos sonhos!

Naquela poça de lama na esquina da ruela, atrás da cerca de taquara seca, na ‘baixada do Mandu’, morreram os sonhos do jovem policial Marcos “Cabeçada”… E começaram os pesadelos de jovens policiais como eu.

À noite era difícil pegar no sono. Mas muito fácil despertar dele!

Uma lufada de vento na janela… era o assassino do companheiro que estava chegando! Os passos das pessoas na rua… acabavam sempre debaixo de minha janela!

Minutos, as vezes horas de tensão, com a respiração presa, esperando ouvir o próximo ruído; esperando ouvir o trinco da porta; esperando um vulto entrar pelo quarto… a mão suada segurando o velho revólver HO enferrujado embaixo do travesseiro!

As batidas do coração se misturavam com os ruídos dos passos do transeunte! Ele já estava, certamente, no quarteirão de cima, mas o assassino ficava na minha mente, atrás da porta, no corredor, me procurando no escuro… e nunca entrava no quarto!…

Faltava coragem para levantar e procurar o assassino!

Andar na rua, ainda que com o sol a pino, não era mais fácil. A cada esquina poderia deparar com os assassinos com um pedaço de pau ou um trabuco na mão!

Todo carro com vidro fumê – não eram muitos na época – levava os dois irmãos assassinos…

Diligências no velho Aterrado era um perigo. Só descíamos à ‘baixada’, de carro cheio… E éramos um perigo!

Olhos atentos, agitados, mãos suadas seguravam os revólveres abaixo das janelas… engatilhados! Qualquer movimento na rua, uma janela ou porta que se abrisse bruscamente, mandaríamos bala!

Quando morre um policial em serviço…

Morre-se um pouco da paz, da brandura, da sensibilidade dos policiais que ficam… Nunca mais eles serão os mesmos. Nunca mais eles verão um bandido como um ser humano normal…

Demora-se dias, semanas, meses para controlar o medo e aquietar o desejo de vingança.

Quando morre um policial em serviço… Morre-se um pouco de cada policial!

BORA VIAJAR…

VOSSA EXCELÊNCIA… O “INTRUJÃO”!

Corremos o risco de sair presos do gabinete do Homem da Capa Preta!
Depois de desbaratar a quadrilha do “Ladrão do Bagdá e seus quase quarenta ladrões” e recuperar quase um caminhão de ‘res furtiva’ com os mais variados intrujões da cidade, faltava agora apreender um cordão de ouro. Para nós, jovens detetives empolgados com a façanha, apreender a valiosa joia dourada com qualquer receptador, seria como pegar doce de criança. O problema é que o receptador não era um intrujão ‘qualquer’! Ele não era um mortal comum. O malfadado cordão, furtado em um dos inúmeros sítios da região, havia sido dado de presente pelo ladrão a um… ‘homem da capa preta’! por sinal, nosso professor na faculdade. A situação era tão delicada que o manjura não teve coragem de expedir um mandado formal de busca e apreensão. Por isso mandou que nós fôssemos falar pessoalmente com o magistrado, no seu gabinete… no Fórum Orvietto Butti!
Era final de expediente quando entramos no gabinete do homem da capa preta. Nosso professor de processo penal nos recebeu com o cordial sorriso que dispensava a todo mundo, tanto nos corredores do fórum quanto nos corredores da faculdade. Depois das amenidades fúteis e inúteis sobre o calor, a falta de chuva, excesso de trabalho, veio a clássica pergunta carregada de falsidade:
– … Mas afinal, a que devo a honra da visita dos denodados detetives? – Perguntou o magistrado.
Nos ajeitamos nas cadeiras, limpamos a garganta, fizemos cara de sérios… e de medo – o medo era de verdade! O ‘chefe’ da equipe, detetive Adair, arregalou bem os olhos – uma de suas peculiaridades quando tratava de assunto peculiarmente sério – e falou pausadamente entre a ousadia, o medo e um certo sarcasmo:
– Este colar que está no pescoço de Vossa Excelência… Faz parte do Inquérito Policial contra o Monteiro, do Bagdá. Precisamos dele na delegacia…
Ao contrário do que esperávamos, o magistrado nem se ajeitou na imponente poltrona marrom almofadada, não mudou o tom de voz, não tirou o sorriso falso do rosto e nem ficou vermelho! Como se estivesse entregando a joia para o ourives consertar, tirou o grosso cordão dourado do pescoço e o colocou balançando lentamente na mão do detetive. Por alguns instantes que pareceram uma eternidade, seguramos a respiração, tensos, sem saber o que dizer. Só relaxamos quando o magistrado, parecendo meio sem jeito, deixou escapar um breve comentário vazio, do tipo:
– Acontece cada uma, né?…

*** Essa viagem continua na página321 do livro “Meninos que vi crescer”.

Crueldade em Cambui…

Assaltante ‘noiado’ mata dois casais de idosos!
Os covardes crimes aconteceram num espaço de meia hora, no bairro Agua Comprida


A.F. de Figueiredo, 77, e o marido G. J. de Figueiredo, 83, estavam no aconchego do seu sítio, ao pé da noite, quando ouviram chutes na porta da cozinha. Ao abrir a porta Angelina recebeu um tiro à queima roupa no rosto, caindo ao chão já sem vida. Seu marido, que vinha atrás dela, reagiu e entrou em luta corporal com o assaltante, mas foi subjugado e recebeu também um tiro na cabeça, e teve morte instantânea. O brutal latrocida, sem testemunhas, revirou toda a casa dos anciãos em busca de dinheiro e dobrou rapidamente a serra do cajuru.
O segundo crime no mesmo bairro havia acontecido meia hora antes, ainda no crepúsculo da noite. Tão violento quanto.
E. G. Rodrigues, 59, e M. L. da Conceição, 57, anos, estavam cuidando dos netos, no mesmo bairro, quando ouviram batidas na porta. Ao abri-la, M.L. viu o cano frio de um trezoitão apontando pra ela. Instintivamente tentou fugir… e recebeu um tiro de raspão no pescoço. Apavorada correu para o banheiro gritando pelo marido e pelo neto JR, de 09 anos. O garoto entregou rapidamente uma espingarda cartucheira para o avô e correu também para o banheiro, levando com ele o telefone. Enquanto do interior do banheiro M. L. pedia socorro, o marido era assassinado na sala com dois tiros, um de revolver e outro da sua própria cartucheira que não chegou a disparar. O assaltante agitado e noiado, deu o primeiro tiro trespassando o tórax do aposentado e com a espingarda deu o tiro de misericórdia na cabeça.
Mesmo baleada no pescoço M. L. conseguiu chamar a polícia. Quando a campainha do telefone tocou para confirmar a ligação, foi descoberta pelo assaltante, o qual começou chutar a porta. Tentando defender o neto e a neta, que também estava nalgum lugar da casa, M. L. entreabriu a porta do banheiro para negociar com o assaltante… e recebeu um tiro letal na boca!
Preocupado com a irmãzinha de 8 anos, JR saiu do banheiro onde estava a avó sem vida e correu para o quarto, indo se esconder debaixo da cama com a irmã. Ali, abraçadinhos, viveram segundos de terror e horas de tensão e medo.
Depois de revirar os outros cômodos da casa, o assaltante foi ao quarto e passou a revirá-lo também, empurrando a cama para o canto. À medida que o bandido empurrava a cama, JR e a irmã iam se esgueirando de costas para o canto até encostar na parede. Em dado momento o bandido levantou o colchão, mas, entre o estrado e o colchão havia uma proteção de papelão e o bandido não os viu!
Desvairado, o assaltante foi embora levando a cartucheira e migalhas em dinheiro, deixando para trás um rastro de sangue e as crianças tremulas debaixo da cama. Na manhã seguinte, ao chegar para o trabalho, a empregada encontrou os irmãozinhos imberbes ainda sob a cama no canto do quarto, com as roupas de baixo marcadas pelo terror e desespero. O casal de idosos, gélidos, inertes, sem vida, estavam estendidos no chão, M.L. no banheiro e o marido na sala.

Por onde andará o assassino dos quatro velhinhos de Cambui?

 

*** Para continuar essa viagem, embarque na página 339 do livro “Meninos que vi crescer!”

JEFF… O HOMEM DO CHAPÉU FURADO

DUELO FINAL

Os raios dourados raios do sol da manhã penetravam timidamente por entre as grades da “gaiola da justiça”. Os ‘pássaros’ estavam tensos ante a iminente viagem que os levaria escoltados pelos federais para um ‘viveiro’ do Estado.

– Você vai levá-los para o forte ou vai direto para a penitenciária? – Quis saber Morrison.

– Vou levá-los até o forte. É mais e perto e, portanto, mais seguro. De lá outro pelotão os levará para a penitenciária.

– Não quer se arriscar, hein!

– Ora, você não sabe com quem está falando meu velho – interferiu Jef. Não é debaixo de uma saia que um jovem de trinta anos chega ao posto de Tenente do Exército americano.

– Não entendi.

– Se Peter é tenente é porque tem qualificações e culhões para ostentar a divisa.

– Não tenho dúvidas…

– Bem, chega de conversa. Temos muita poeira pela frente. Seu Whisky é ótimo xerife, suas cartas me divertem Jeff, mas eu nunca ganharei de você no pôquer. Adeus Morrison, adeus Jeff.

– ‘Adiós’.

Peter Lane e seus soldados partiram a trote levando onze ‘clientes’ de Morrison para um ‘hotel’ à prova de fugas. A missão de Jeff Hobson estava quase no fim.

 

Perto dali…

A fúria de Brad e George já não comportava mais palavras. Eles não conseguiram mais se expressar com um mínimo de civilidade. Apenas o ódio os movia.

– Não devíamos ter confiado nos outros – disse Brad.

– Antes trabalhávamos sozinhos e éramos invencíveis e agora com dezenas de homens veja o que nos resta…

– Este resto servirá para recomeçarmos, depois que nos livrarmos daqueles malditos!

– É melhor que nós mesmos façamos o serviço.

– Mais tarde iremos pra cidade para o acerto final. Hoje será o último dia que Morrison e Jeff verão o pôr do sol. – Vaticinou George sombrio.

O sol dolente se deitando suavemente naquela tarde deu uma cor vermelha ao horizonte. Parecia sangue. A leve brisa que soprava sobre Carson City parecia trazer um cheiro de morte.  Apesar de estar lotado, o burburinho no saloon era ameno. Os frequentadores, embora tivessem motivos para comemorar o fim da quadrilha que durante anos espalhou o terror no lugar, estavam comedidos. Muitos ainda estavam intrigados com o surgimento repentino da Cavalaria na noite anterior. Mas sabiam que a guerra contra o mal ainda não havia acabado. Sabiam que a última batalha, o duelo final, seria inevitável. As ruas estavam desertas.

– Vou ao saloon tomar um trago – falou o xerife saindo da delegacia.

– Logo que acabar de limpar meus colts eu lhe farei companhia – respondeu Jeff.

Minutos depois, a caminho do saloon, o delegado ouviu o som de disparos. Em seguida ouviu uma voz de chorosa de mulher.

– Socorro! Eles querem me matar! Mataram meu pai. Socorro!…

Jeff voltou-se repentinamente a tempo de ver Doris com os braços abertos correndo em sua direção, gritando desesperadamente enquanto uma chuva de balas fazia levantar poeira a seus pés.

– Doris!

Um projétil ricocheteado no pedregulho atingiu-lhe as costas, tirando instantaneamente suas forças. A jovem deixou-se cair no meio da rua empoeirada ante o olhar incrédulo das pessoas que haviam saído às varandas e janelas para ver o que se passava. Jeff correu em direção ao corpo agonizante tomando-o nos braços. A jovem soltou um gemido e acenou para que a deixasse no chão.

– Jeff… meu irmão… eu… – Não conseguiu terminar a frase. Suas últimas forças se esvaíram.

Ajoelhado na poeira, Jef contemplou aquele rosto, que mesmo sem vida era lindo. Seus traços lhe eram familiares. Lembrou do pai. Doris acabara de morrer com um tiro nas costas, como ele. Seria o destino? Será que ele também iria morrer com um tiro nas costas? Duas lágrimas rolaram pela face crispada do jovem delegado! Calejado capitão dos Guardas Rurais do Colorado, ajudante de xerife de Carson City… Aquele homem rude e de poucas palavras, que em segundos sacava seu colt e matava três ou quatro homens com a mesma facilidade que mataria pernilongos que o picassem, tinha seus momentos de emoção. E sabia até chorar! Ainda contemplando aquele corpo que muito tarde ele descobriu ser parte dele, Jef notou o sangue coalhado que segundos antes havia jorrado das costas de sua irmã. A lembrança do pai lhe povoou a mente. Provocou uma visão semelhante. Viu o velho xerife Rock Hobson sendo baleado covardemente pelas costas.

Uma risada zombeteira interrompeu suas divagações.

– Olá ‘forasteiro’ – disse sarcasticamente o mexicano Sancho Perez. Então andava de amores secretos com a filha do banqueiro, hein!

Jeff lentamente se pôs de pé, mudo, com o olhar mais frio que o de uma cascavel. Cinquenta passos a sua frente estavam George Sanders, Brad MacGree e o filho Richard, Sancho Perez, Ted Slim e mais um capanga que ele não sabia o nome. Os seis pistoleiros à sua frente não diminuíram nem pouco sua coragem. Ele falou pausadamente.

– Doris era minha irmã… filha do falecido xerife Rock Hobson… Que vocês mataram covardemente pelas costas. Eu vim a Carson City fazer justiça a meu pai. Qual de vocês atirou nele?

Essa revelação causou surpresa e impacto às pessoas ali presentes. E teria abalado muito mais os seis criminosos, se eles não estivessem agrupados, armados até os dentes.

– Então você é filho daquele bastardo hein! – Falou Brad, procurando se recompor da surpresa. É bom saber disso. Pelo que ele fez a meus homens, ele merecia morrer várias vezes… como você vai morrer. É bom fazer seu último pedido Jeff… Hobson.

– Quem atirou em meu pai? – Insistiu calmamente o delegado.

A resposta foi um misto de cinismo, sarcasmo e deboche.

– Bem… – falou Richard saboreando cada palavra. Papai e George arquitetaram o plano; Sancho e Ted comandaram a arruaça no saloon… eu fiz o mais importante!

– Canalhas! Nem satanás os receberá no inferno! – Disse Morrison ao ouvir a revelação, pondo-se ao lado de Jeff.

– Não, xerife… Esse é um assunto de família. Eu devo isso a meu pai e minha irmã. – falou Jeff, sem desviar os olhos dos facínoras.

O velho xerife, até porque confiava em seu assistente, afastou lenta e atentamente deixando-o frente a frente com seis colts marcados com sangue. A própria natureza não compactuava com o que estava para acontecer. Talvez por isso, o sol se escondeu no final da planície para não assistir a cena. O ar pesado começou a se movimentar formando uma brisa tímida, leve e fria, como se estivesse com medo da morte, fazendo levantar a poeira amarela da rua. Os sete homens estavam tensos, revolveres livres nos coldres, dedos suados, cada um tentando penetrar na mente do outro. O tempo acusou que o instante fatídico chegara. Sete culatras de colts entraram em contacto com mãos quentes de seus donos. De repente choveram projéteis por todos os lados. Tudo não durou mais do que alguns segundos. Por entre a leve cortina de fumaça que saia do seu colt, Jeff viu um dos pistoleiros estendido de costas na rua. Outros quatro ainda estavam de joelhos, como se estivessem fazendo uma última oração, e logo em seguida caíram de boca na poeira. Cada um deles tinha uma bala no lado esquerdo do peito. Richard MacGree ainda se mantinha de pé, apesar do projétil cravado em suas costelas. Com o olhar desfigurado pela dor ele tentou focalizar o jovem Hobson através da mira da sua arma. Jeff, percebendo que o revolver do moribundo seria acionado, com ódio e frieza, tão rápido quanto sacara o primeiro colt, sacou o segundo e roçou o cão seis vezes seguidas endereçando a rajada num só alvo. Com um gemido rouco e seis orifícios exalando sangue do peito, e o impacto dos projetis, o assassino de seu pai e de sua irmã, tombou de costas no meio da rua, como se tomba uma arvore ante a machadada final. Quando tocou o chão poeirento, sua alma já estava no inferno!

– Seis tiros, seis cadáveres! – Observou Morrison, se aproximando. Ele já estava morto quando recebeu a segunda descarga – concluiu.

Jeff, mudo, recuou alguns passos e apanhou o chapéu no chão… ou o que restava dele, e passou a contar lentamente:

– Um, dois, três, cinco, seis, oito… – disse ele, com o dedo em mais um furo no chapéu de couro.

                                                                    Epilogo

 

O sol claro e morno parecia sorrir sobre Carson City. As pessoas também sorridentes caminhavam como formigas pelas ruas naquela manhã. A paz e a calmaria pairavam sobre a cidade como nos tempos de Rock Hobson. Jeff Hobson, de chapéu novo, dado de presente pelo doutor Stam, conferia o arreamento do seu corcel antes de montar.

– Daqui a alguns anos, quando esta cidade tiver um museu, garanto que a peça principal será seu chapéu, rapaz. – Falou Morrison segurando o chapéu furado.

– Hum, pode ser… Bem, minhas férias acabaram. Depois de amanhã tenho que estar no quartel dos guardas rurais no Colorado. Adeus Morrison. Você também merece destaque num museu. Foi bom trabalhar com você – falou por fim o capitão Hobson.

– Adeus Capitão……

Jef Hobson passou levemente a roseta da espora na virilha do seu cavalo e saiu a trote lento de Carson City. Morrison e algumas pessoas o seguiram com o olhar até que ele ficou pequenino e desapareceu no final da planície.

 

FIM

 

      Essa história foi escrita nas três primeiras semanas de junho de 1977, durante meus turnos de guarda nas guaritas do 14º GAC. Esse livro foi meu primeiro trabalho literário… aos 18 anos.

Ainda sobre pais…

Ao pousar os olhos em Peregrino, Lucas parou boquiaberto… Seu corpo estremeceu!

O coração disparou! Sentiu uma ligeira vertigem! Pensou que ia desmaiar …

Firmou bem os olhos buscando ter certeza do que via.

Não seria mais um daqueles sonhos nos quais o pai surgia do nada e depois lentamente desaparecia na bruma?

Continuou estático olhando fixamente para a figura a poucos metros dele…

O sol de outono brilhava morno no final da manhã…

Soltou um grito que pareceu ecoar por toda a serra…

– “Paaaaaiiiii”!!!

Peregrino continuava parado a poucos metros dele… confuso! Deduziu que o rapaz era o tal romeiro do tornozelo torcido do qual a esposa e a sogra haviam falado, até que ouviu o grito: “Pai”!…

Quando ouviu o emocionado ‘pai’ Peregrino sentiu um choque! entrou em transe!

A palavra ‘pai’ não parecia ter saído da boca do rapaz, mas das suas próprias entranhas… E ficou ecoando no seu cérebro… sentiu uma ligeira zonzeira… sua cabeça girou, os olhos se fecharam sem que ele desse o comando…

Outras figuras apareceram ao lado de Lucas. Pessoas conhecidas, mas ainda sem nome…

Firmou a vista no rapaz à sua frente no exato momento em que ele soltava novo grito e caminhava de braços abertos em sua direção.

O segundo grito de ‘pai’ saiu desafinado pelas lágrimas que brotava na garganta de Lucas…

Peregrino ainda confuso, afogado em um turbilhão de emoções, também abriu os braços e estreitou o jovem peregrino.

Lucas não conseguia pronunciar uma frase inteira, apenas repetia…

– “Pai’, pai, pai…” – e agarrava o peito, a cintura os braços de Peregrino. Apalpava, segurava para ter certeza de que o vulto não sumiria no meio da bruma…

      Ao sentir aquele abraço Peregrino estremeceu, viajou centenas de quilômetros em segundos… afastou Lucas do seu peito, segurou-o pelos ombros, olhou no seu rosto, nos seus olhos afogados em lágrimas, e balbuciou:

     – Meu filho!…

E tornou a puxá-lo forte para o peito… As lágrimas caiam sobre os cabelos castanhos de Lucas.

     Ficaram assim uma eternidade, abraçados solitários na beira da cachoeira. Até que Lucas enxugando o rosto na camiseta começou a falar:

     – Eu sempre acreditei que você estava vivo… que eu ia encontrá-lo… Onde você estava pai?

 

*** Para saber a resposta, embarque nas emoções de “Uma Viagem que não chegou ao fim”!

BORA VIAJAR…

Imagem ilustrativa

Lobo

Parei o Escort prata sobre a ponte do Rio Cervo, abri o porta-malas, desatei lentamente a cordinha que amarrava o saco de estopa e olhei em seus olhos! Lobo havia se ajeitado na traseira do carro. Estava sentado dentro do saco. Apesar da língua de fora, não disse uma palavra, não fez um movimento. Apenas fitou-me com seus olhos pidões! Afastei-me um metro da traseira do carro, apoiei as mãos no parapeito da ponte da estrada deserta e olhei para baixo. As águas sujas do pequenino Rio Cervo desciam rápidas lá embaixo, se desviando de pedras e de galhos podres, seguindo seu inexorável destino em direção ao Rio Sapucaí, ao mar… Ninguém sobreviveria àquelas pedras fincadas em pouco mais do que uma lamina de água suja. Esperei um minuto, que pareceu uma eternidade, ali encostado na ponte, torcendo para meu amigo Lobo pular do porta-malas, sair correndo até se enfurnar numa chácara qualquer da beira da estrada… Mas ele permaneceu imóvel dentro do saco. Seus olhos tristes pareciam querer dizer;

– Estou em suas mãos… Faça o que mandar seu coração!

Não esperei que ele repetisse… Mudo como ele, fechei a tampa do carro, entrei, dei partida e fui embora.

Quando o cabo Pinheiro passou ao longo do corredor da cadeia de Silvianópolis no inicio da tarde daquela terça feira, notou que as três celas, sempre vazias, desta vez tinha um preso e perguntou;

– Qual o B.O. deste pobre diabo?

– Trafico ilícito de carrapatos! – Respondi

– Quanto tempo ele vai ficar aí?

– Até que alguém pague sua fiança e o leve para uma casa de tratamento e recuperação! Quer tentar?

Na quinta feira quando cheguei para trabalhar na Delegacia de Silvianópolis o baixinho cabo Pinheiro, de arrastado sotaque carioca, já estava no Destacamento contíguo a delegacia e cadeia. Ao seu lado havia um cachorro cochilando. Era baixote, marrudo, imensos pelos lisos cor de mel escovados e tosados. Quando ele abriu os olhos preguiçosos para olhar-me de esguelha e mexeu levemente a ponta do longo rabo, lembrei-me do Lobo. Parecia o Lobo. Nossa! como era parecido com o Lobo!

Antes que a pergunta chegasse à boca e ganhasse som, a conclusão chegou ao meu cérebro! Vendo minha mudez, sem olhar para mim, o cabo ‘carioca’ emendou com ironia e sarcasmo:

– Ele só precisava de banho, tosa e escova… Eu mesmo fiz!

A viagem de volta do Lobo foi bem mais confortável. Ele veio cochilando de rosquinha no tapete, na frente do banco do passageiro. Quando passamos sobre a ponte do Rio Cervo dei uma olhada discreta pela janela e outra para ele. Seus olhos se abriram e fecharam lentamente! Acho que ele quis dizer:

– Viu o que você ‘quase’ fez?

Ou se:

– E aí, valeu a pena?

Ou quem sabe…

– Obrigado por ter me dado uma segunda chance…

Difícil foi aguentar a boca aberta do carneiro nos dias seguintes. Ele, que já era risonho, não parava de sorrir! Embasbacou-se no momento em que viu Lobo, lindo, louro belo e faceiro cor de mel – e sem carrapatos – entrando na varanda da LEPA.

 

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