Peixinho… e eu!

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Antes de se mudar da antiga casa da Rua Dom Nery, o medico Celso Lucas encheu sua casa de caixas de papelão para embalar seus pertences e foi passar o final de semana em um sitio. Quando chegou à casa pela manhã na segunda feira, percebeu que parte de sua mudança – televisão, aparelho de som, radio relógio, jóias e pequenos objetos de transporte manual – haviam ‘mudado’ antes da hora… Sem ele!
O médico que até então tinha horror à delegacia de Policia – entrava ali apenas até o setor de registro de veículos e dava graças a Deus quando saia – viu-se obrigado a procurar a Inspetoria de Detetives para comunicar o furto e pedir providencias. Afinal, televisão colorida há trinta anos custava bem mais do que hoje. Contava-se no dedo as casas de Pouso Alegre que tinham mais de uma. Aparelho de som 3×1 era coisa rara. Com salário de policial não se comprava. Jóias eram usadas somente em festas e olhe lá… Seu prejuízo passava de dez mil reais em valores atuais.
Éramos poucos policiais trabalhando. O furto do medico era apenas mais um entre dezenas que aconteciam todos os meses. Seria difícil designar uma equipe para cuidar só daquele caso. O registro do furto, no entanto, veio acompanhado de um pedido pessoal do vereador Firmo da Mota Paes – cunhado de Celso Lucas – um dos advogados mais atuantes na área criminal, amigo pessoal do nosso saudoso Inspetor Ângelo. Por isso entrou na lista de prioridades.
Da leva de detetives da ‘turma de 80’, que marcaria o inicio daquela década com brilhantes atuações, desvendando os principais crimes da cidade e região, eu era o menos experiente… Mas ‘na falta de tu, vai tu mesmo’. Ângelo me apresentou o medico barbudo – ele continua com a mesma barba de sempre! Só mudou a cor – e me passou o caso.
Como toda investigação criminal começa pelo mordomo, comecei investigando a empregada de Celso… Soube então que ela tinha uma irmã, daquelas que gostam de enxada de cabo longo… para ficar longe do trabalho! Ela por sua vez, namorava um sujeitinho baixote, forte, troncudo que morava pelas bandas da Tijuca, o qual às vezes passava com a namorada para visitar a cunhada. Trocando figurinhas com o próprio Ângelo, concluímos que o baixinho forte, cara de mau e coração duplamente mau, era “Peixinho”, dono de uma extensa ‘capivara’ na delegacia, por brigas, furtos e uso de drogas.
Filho do meio entre dez irmãs, cresci nas ruas de Pouso Alegre, trabalhando desde os dez anos para ajudar em casa. Fui office-boy, entregador, flanelinha, vendedor ambulante. – Você leitor que tem cerca de cinqüenta anos e boa memória, lembra-se dos carrinhos de pipoca, amendoim com chocolate, pipoca colorida, Raspadinha? Lembra-se daquele moleque franzino que passava na sua rua ou estacionava o carrinho com quatro garrafas de melado colorido e uma pedra de gelo na esquina da Praça Sen. Jose Bento, perto da Casa Morato? Era eu!!! Vendendo Raspadinha. Foi nessas minhas andanças pelos quatro cantos de Pouso Alegre que conheci o “Peixinho”.
Quase três anos mais velho que eu, o garoto que somente em 82 eu viria saber que se chamava J.B.P. me causava verdadeiro pavor. Hoje quem usa drogas é apenas ‘nóia’. Naquele tempo era “maconheiro”. E maconheiro era “bandido”, “marginal”. Todo maconheiro daquela época era conhecido à distancia… Deixava um rastro de medo por onde passava!
O primeiro maconheiro que conheci foi o “Chibit”, morador do bairro da Saúde. Andava sempre com Zé Pretinho, Jesus Muquirana, seu tio Lazinho e outros que se emendaram, menos ele. Chibit também era um baixote troncudo, debochado cara de pau e de mau. Forte e bom de briga, embora tivesse família ali mesmo no bairro, ele parecia não ter eira e nem beira e vez por outra extorquia os flanelinhas defronte a Faculdade de Direito. Naquela época o curso de Direito era “vago”! A maioria dos estudantes era das cidades e Estados vizinhos. Aulas apenas nos finais de semana. Somente ao ver sua ficha policial anos mais tarde, eu saberia que “Chibit” era corruptela de “Alcebíades”. Ele morreu totalmente inofensivo nos anos 90, nos braços de Severina do Popote, depois de anos vendo o sol nascer quadrado.
Peixinho foi o segundo “maconheiro” que conheci. Também encrenqueiro e amedrontador. Morava nas ‘escarpas’ da famosa Davi Campista, perto da “Zona”, o que aumentava ainda mais o meu temor, pois zona boemia naquele tempo era antro de pecado, corrupção e violência. Toda vez que nos encontrávamos, Peixinho pegava o que queria no meu carrinho, comia na minha presença, lentamente, talvez zombando do meu medo e ia embora sem pagar…! E eu dando graças a Deus por ele não levar minhas moedas e esquentar minha orelha! Agora ali estava eu investigando um crime possivelmente cometido pelo meu velho algoz, terror da minha infância. Jovem policial sonhando prender todos os facínoras da cidade e consertar o mundo eu estava prestes a me defrontar com meu maior inimigo. Como seria?
Através do “mordomo” que indiretamente abriu a porta para o cunhado gatuno entrar, soubemos que o suspeito passava a maior parte do tempo na companhia da namorada em uma pensão da qual era sócio, na área central de Campinas-SP. Tínhamos o fio da meada, precisávamos agora desembaraçá-lo. Telefonar para a congênere de Campinas e pedir para os colegas prende-lo e encaminhá-lo para nós? Sem chance! Mandar uma carta para ele intimando-o a devolver a rés furtiva!!! Insano, hilário e inútil. Esperar que ele voltasse a Pouso Alegre para dar-lhe o pulão, também não adiantaria, pois ele certamente esperaria muito tempo a poeira baixar. Apesar de ser apenas uma suspeita, contundente e provável, a única maneira de confirmá-la seria interrogando o suspeito. Por isso fomos procurá-lo na cidade de Orestes Quércia.
Saímos de manhazinha. Antes das dez chegamos a Campinas. Eu, o detetive Mairinques e a vitima Celso Lucas, no fusca azul escuro dele. Com as informações fornecidas pela cunhada de Peixinho…

Para continuar lendo a historia de Peixinho, meu algoz de infância, acesse www.meninosquevicrescer.com.br

 

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