Tres minutos de tensão na Fernão Dias…

DSC05340

Saímos de casa com horas de antecedência do embarque para, como todo bom mineiro, evitar atropelamentos. Mas não conseguimos! Quando acabamos de descer a Serra da Cantareira ouvimos o som de uma sirene e vi pelo retrovisor as luzes vermelhas da van amarela dos anjos do asfalto. O transito já era bastante intenso na entrada de São Paulo, às tres e meia da tarde deste domingo, 31, por isso demorou alguns instantes para que todos abríssemos espaço para a ambulância passar.
Mal passou por nós, estacionou do lado da mureta que divide as pistas e o primeiro funcionário saltou distribuindo cones de sinalização. O acidente acontecera há poucos minutos. Era um atropelamento! Antes de chegar até ele pudemos ver as pernas de um homem se mexendo estendidas na pista mornas da rodovia atrás de um Astra preto…
Como já aconteceu dezenas de vezes em nossas viagens, o Juramento de Hipócrates cutucou Tatiana. Ao meu lado ela ordenou:
– Pergunta se precisa de ajuda…
Baixei o vidro, coloquei a cara para fora e gritei para ser ouvido em meio ao barulho infernal do transito;
– Precisa de medico?
A mocinha de macacão verde-limão escondida atrás da mascara branca deixando ver apenas os olhos claros e assustados gesticulou que sim. O carro nem havia parado totalmente Tatiana já havia saltado! Além dos três anjos, que ainda não haviam dominado a situação em volta do atropelado, havia mais umas seis ou sete pessoas, inclusive o motorista do Astra que tentava explicar que não tivera culpa. Dentre eles havia uma garota magricela, em torno dos vinte anos que, ao me ver na janela, repetiu em prantos quase arrancando os cabelos…
– Se jogou, se jogou…!
Mal parei o carro na frente do Astra, três dos rapazes que estavam no local do sinistro se afastaram em direção a uma grade quebrada da mureta e atravessaram para o outro lado. Quando passaram por mim pude ver um deles segurando o cabo de uma pistola no bolso da bermuda enquanto outro dizia;
– Vaza, vaza… Já chamaram os ‘zomi’ pra fazer o BO! Vaza.
Olhei para o outro lado da pista, para onde se se dirigiram e se juntaram a outro grupo de umas dez ou doze pessoas e me dei conta… Estávamos na porta de uma favela em Guarulhos! O motorista do Astra, quase que empurrado por outros jovens em volta do atropelado, também entrou no carro e foi embora… Naquele instante compreendi! Não fora um atropelamento acidental! O rapaz da pistola no bolso estava perseguindo o desafeto para mata-lo a tiros. Na fuga ele atravessou a pista que sai de são Paulo, quase sem movimento àquela hora do domingo e quando pulou na pista de transito contrario foi atropelado. Segundo ouvimos da jovem descabelada, ele conseguira escapar de um caminhão, mas entrou na frente do Astra. Provavelmente poupara o trabalho do seu perseguidor…!
E a Tatiana lá atrás, tentando entubar o atropelado. E eu querendo, desejando ardentemente não estar ali naquele momento com o pisca alerta ligado…
Lembrei do “Urtigão” e da “Bebel”! Mas ambos haviam ficado em casa. Tatiana, embora carregue a Bebel na cinta até para ir à padaria, não poderia leva-la para a Disney! Também, de que valeriam duas armas na porta de uma favela numa situação daquelas se eles resolvessem nos roubar?
Saltei do carro e fui até o local do sinistro tentando apressar minha esposa. Naquele exato momento o jovem de vinte poucos anos, pálido, com um pequeno filete de sangue escorrendo da boca e do nariz parou de respirar… Tatiana deu-lhe um soco no peito! E ele voltou a se mexer. A jovenzinha ao seu lado, vendo que o namorado voltava à vida quase teve um xilique de alegria.
Antes que me aproximasse Tatiana acenou-me…
– Volta pro carro! Não deixe nossa filha sozinha!
Eu havia travado as portas, mas voltei e disse à Rayanne…
– Reze, filha… Chame alguns ‘amigos iluminados’ para ficar com a gente porque a coisa está preta.
E fiquei ali, com um olho no retrovisor esperando ver Tatiana se levantar do lado do moribundo e arrancar as luvas, e o outro na frente da favela onde o grupo de pessoas, na maioria jovens, conversavam e gesticulavam! Senti um imenso alivio quando vi que o rapaz da pistola no bolso mantou uma bicicleta e, empurrado por outros colegas, saiu pedalando por uma rua paralela à rodovia, sempre olhando para trás. O perigo estava passando…
Se fossemos assaltados na porta da favela de Guarulhos na beira da estrada não levariam apenas nosso carro e nosso parco dinheiro. Levariam também as passagens de avião pagas à prestação, levariam as malas com tudo dentro e até o feijão carioca que no ultimo dia de Disney viajaria de Orlando para New York na mala da comadre Claudia! Se o rapaz da pistola de cabo branco no bolso e seus amigos resolvessem mudar seu foco criminoso naquela tarde de chuva anunciada em São Paulo, o aniversario de 18 anos da Rayanne na Disney World seria de fato inesquecível!
De repente vi pelo retrovisor, de um movimento só, Tatiana levantar a maca dos anjos do asfalto e colocar o atropelado na ambulância. Aliás, não sei de onde ela tirou aquela força! Ela e o anjo verde-limão levantaram a maca num só golpe e colocaram na van amarela enquanto a mocinha dos olhos claros guardava os apetrechos e o motorista recolhia os cones da pista! Saímos do local do sinistro antes mesmo da ambulância. Segundo Tatiana, o rapaz não tinha fratura visível, mas sofrera um provável TCE. A rapidez no socorro pode ter sido determinante para salvar sua vida. Deixar o local do sinistro, entre a rodovia Fernão Dias e a porta da favela de Guarulhos no final da tarde de domingo prenunciando uma tempestade, o quanto antes, poderia ser determinante para salvar as nossas também…!
Espero que o rapaz que, segundo a namoradinha espevitada ‘se jogou’ na frente do Astra, tenha sobrevivido e tenha valido a pena os ‘três minutos de tensão na Fernão Dias’! Espero também que o restante da viagem de Tatiana e Rayanne rumo à terra do Tio Sam seja menos turbulento…! Susto agora? Só do orelhudo Michey!

 

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *