Holyfield não voltará mais para o ringue

Numa noite morna de inicio de 2007 um cidadão alto, atlético, de cor negra entrou num boteco do bairro Arco Iris em Santa Rita do Sapucaí e pediu um refrigerante. Sorveu o liquido lentamente meio ressabiado, meio tenso, como se estivesse prestes a tomar uma grande decisão. Logo em seguida saiu lentamente do boteco e ficou por ali, nas imediações. Não tardou o botequeiro baixou as portas e se dispos a ir para casa ali perto, acompanhado da namorada, uma bela morena… Que tinha outro pretendente! Quando o casal abraçado passava por um ponto pouco iluminado, ainda perto do bar, o ‘atleta’ do refrigerante surgiu por trás, na penumbra da noite, de arma e punho e mandou bala. Uma delas pegou de raspão na morena namoradeira. A outra acertou a nuca do botequeiro! A capsula calibre 32 certamente tinha pólvora suficiente apenas para vomitar o projetil, mas fez pouco mais do que cócegas na nuca do dono do boteco. Depois de socorrido ao hospital e fazer um curativo ele nem precisou de licença do trabalho. Nos dias seguintes continuou dirigindo o costumeiro caminhão da prefeitura, onde trabalhava… Apenas com o pescoço duro! Antes de dobrar a serra do cajuru com o revolverzinho 32 de meia tijela, o atirador arrancou o relógio prateado do pulso do algoz e levou com ele… E o relógio nos levou até ele!

No ano anterior havíamos colocado dez dos onze homicídios ocorridos na cidade em pratos limpos… A primeira tentativa de 2007 não passaria em branco. Logo pela manhã saímos na sombra do pretenso assassino e ladrão de relógio. Aliás, a primeira coisa que descobrimos é que o roubo do relógio fora um ‘acidente de percurso’! O objetivo era apenas matar o casal! O atirador negro era o cidadão conhecido por Hollyfield, morador do bairro Recanto das Margaridas, genro do Pelé. O crime fora encomendado, por motivos passionais. Um cidadão da terceira idade, morador da zona rural da cidade nutria fervorosa paixão pela baiana, mas ela preferiu o botequeiro de horas vagas, motorista da prefeitura. Com o coração partido, o sitiante resolveu mandar furar os corações da baiana e do namorado. Para isso pagara R$ 200 à Hollyfield!

Chegamos a esta conclusão por volta de três tarde daquele dia. Faltava agora chegar ao latrocida. Ele trabalhava de serviçal no Hospital Antonio Moreira da Costa – diga-se de passagem, ótimo funcionário e muito bem quisto pelos colegas de trabalho – mas deixara o local às duas da tarde. Fomos acha-lo batendo papo numa obra recém iniciada numa esquina da rua das rosas. Parecia ser uma prisão simples, em flagrante, mas foi bastante tensa. O moço fazia jus ao apelido de Hollyfield! Tinha praticamente o mesmo porte físico do campeão dos pesos pesados americano…! Éramos três, eu, o compadre Benicio e o jovem Klebinho. Parecia fácil para três policiais com deois 38 e uma .40 na cinta prender um suspeito. Parecia! Em campo aberto se ele resolvesse correr, o que faríamos? E se ele estendesse os braços lado e lado e dissesse:

– Ok! Então coloquem as pulseiras de prata e me prendam… Quer ver quem se arrisca!

Usei minha costumeira frase que carreguei comigo durante 27 anos…

– Hollyfield, o delegado está precisando de você na delegacia. Vem com a gente…! – E abri a porta lateral da velha Parati preto & branco estendendo a mão esquerda de ‘boas vindas’. Ele titubeou por um ou dois segundos olhando para a própria bermuda e perguntou:

– Agora?

Com a mão direita apoiada no cabo do 38 por baixo da camisa azul, respondi com uma firmeza que não deixava dúvidas…

– Agora!

Apenas mais um segundo de hesitação. Hollyfield se despediu do pedreiro com o qual conversava, baixou a cabeça e entrou na viatura. Preferimos nem colocar-lhe as pulseiras de prata. Só depois de algumas quadras ele abriu a boca…

– O que está acontecendo, Benicio? – Perguntou.

– Parece que teve um probleminha no Arco Iris ontem à noite… O delegado quer conversar com você. – Disse vagamente o velho policial prestes a se aposentar. Hollyfield deu uma encolhida no banco ao lado do Kleber. Pelo retrovisor percebi que ele suava frio. Alguns minutos depois, já na baixada do Maristela, ele pediu para abrir a janela da viatura – o que foi negado. Quando descemos na porta da delegacia da Quintino Bocaiuva ‘seu’ relógio ficou para tras, meio prensado entre o banco e encosto da Parati… Se a janelinha tivesse sido aberta lá atrás, o relógio teria ficado no meio da rua Juca Castelo… O relógio retirado do pulso do Ernani na noite anterior! O revolver 32 com as duas capsulas vazias achamos na manhã seguinte numa moita no pasto da fazenda que margeia a Avenida Bilac Pinto, por onde ele passou em fuga na noite passada.

Leandro "Holyfield" Mendes Mota: Afogado no Rio Sapucaí

Leandro “Holyfield” Mendes Mota: Afogado no Rio Sapucaí

A fracassada tentativa de homicídio passional seguida de roubo custou ao ‘pistoleiro’ Hollyfield 7 anos e meio de hospedagem no Hotel Recanto das Margaridas. De lá ele viu o irmão Renatinho afundar mais do que ele no crime e matar um desafeto pelo controle do trafico. Viu também o irmão caçula, Filipinho, passar de “dimenor” a “dimaior” afundado até o pescoço em crimes diversos. Viu até a irmãzinha adolescente, aquela que ficava com os olhos parados abobalhada quando me via e na despedida só conseguia dizer: “Gatão”! ser também, presa no 33 e ir fazer-lhe companhia. Viu até a sofrida mãe, sem marido, rodar no 33. Dois anos depois Hollyfield ganhou sua primeira e tão sonhada “saidinha de 7 dias”. Seus companheiros de ‘caminhada’ juraram de pés juntos que ele havia participado do famoso assalto ao Bancob de Santa Rita durante a ‘saidinha’…! E ele assinou mais um 157!

Atualmente Hollyfield estava em liberdade condicional. Até a ultima terça feira, 04, estava trabalhando numa draga retirando areia do Rio Sapucaí. Por volta do meio dia ele mergulhou nas aguas amarelas do rio e não voltou à tona. Seu corpo foi encontrado quase 48 horas depois, boiando a cerca de dois quilômetros rio abaixo. Há controversas sobre o motivo do mergulho no rio. Uns dizem que ele caiu acidentalmente entre a draga e o rebocador… Outros dizem que ele mergulhou no rio para se refrescar no intervalo do almoço. O fato é que Leandro Mendes Mota, o ‘nosso’ Hollyfield, 27 anos, definitivamente não voltará para o ringue e nem para o Hotel Recanto das Margaridas.

 

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